Para além de inspirador de poetas, este rio é testemunha de toda a região das Beiras. Nos seus quase 260 quilómetros, atravessa, no seu percurso inicial, a Serra da Estrela, onde em Gouveia, terra de Virgílio Ferreira, vislumbra o Mirante do Paixotão, passa junto à Guarda e não esquece Celorico da Beira, seguindo para Fornos de Algodres, onde rapidamente deixa o distrito da Guarda e ruma para os de Viseu e Coimbra, embelezando numa das suas margens, Mangualde, Seia, Nelas, Carregal do Sal, Santa Comba Dão e Mortágua, enquanto que, na outra margem, encanta Oliveira do Hospital, Tábua, Penacova e Vila Nova de Poiares. Em Penacova, contribui para a leitura com a sua eloquente “livraria”. Só perto da cidade dos estudantes se livra das formações xistosas, encontrando nos seus últimos quarenta quilómetros uma vasta planície, desta vez servindo e cativando os concelhos de Coimbra, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz, onde finalmente desagua.
Junto de um belo açude, em criança, com o Mondego, aprendi, em Carregal do Sal, a pensar, a nadar e a sonhar.
Hoje volto ao rio e tenho esperança que este deixe de levar para o mar as mágoas de terras distantes, envelhecidas e tristes do interior. Conta o Mondego ao Atlântico que, durante o seu curso, se cruza com uma desertificação assustadora, com o envelhecimento da população, com os fracos recursos económicos. Talvez desabafe ainda com o mar, dizendo-lhe que, no interior, falta de quase de tudo, a começar pelo investimento público, pela dotação real de serviços de apoio às populações e às empresas. Enfim, tantas outras coisas teria para desabafar!
Mas o Mondego nunca perdeu o rumo, mesmo que alguns o tentassem mudar. Com as suas belezas naturais, ensina-nos que só com medidas concretas e eficazes podemos rumar para o tão almejado desenvolvimento. Melhores empregos, melhor saúde, melhor educação, melhores transportes e melhores acessibilidades são o motor para o efeito. Dotemos o interior de serviços verdadeiramente eficazes, como sejam hospitais, escolas e universidades, correios, museus, espaços culturais, e transportes públicos. Melhoremos, ainda, os parques, as piscinas públicas, os mercados e as feiras e até alguns shoppings que, felizmente, já começam a surgir. Não podemos ignorar que a tranquilidade, a segurança, o custo de vida, em comparação com os grandes centros, pode ser um lugar de atração para muitas pessoas, que fartas de uma vida urbana e deprimente queiram vir a usufruir
Se pudesse perguntar ao Mondego qual o principal problema que constatou no seu largo percurso, talvez este me respondesse com a falta de oportunidade de trabalho, onde as ofertas de emprego são escassas, muito pela falta de indústrias e do ainda reduzido comércio e me referisse ainda a falta de recursos humanos em muitos setores de atividade. Talvez por este motivo, tal como o rio, também as pessoas que nascem no interior rumam ao litoral em busca de um futuro melhor.
Se pedisse ainda ao rio, para me sugerir um contributo para combater estes problemas, talvez este, consultando o seu irmão rio Dão e a sua mãe Serra da Estrela, me dissesse o “turismo” e me recordasse as aldeias de xisto, os parques naturais, a arqueologia, as gravuras rupestres, as aldeias históricas, as quedas de água, a neve e tantas outras coisas. Estou certo que me alertava, ainda, para que nunca esquecêssemos a hospitalidade, o bom vinho, a excelente gastronomia, sempre acompanhada de paisagens maravilhosas.
Termino, voltando à minha terra, Carregal do sal, e olhando mais uma vez o rio Mondego, desta vez encontro-me eu a desabafar com ele, perguntando-lhe, mais uma vez, de como é possível aqui e agora que os responsáveis desta terra não tenham compreendido que muito do desenvolvimento do concelho passa pelo rio. Como o têm abandonado durante décadas!
Mas, como sempre, melhores dias virão e o Mondego não será esquecido…
Professor, de 52 anos.
É natural de Carregal do Sal, onde reside e trabalha, sendo no momento docente do Agrupamento de Escolas de Carregal do Sal.