A estação ferroviária de Alta Velocidade Espanhola, em Otero de Sanabria, aproxima a cidade de Bragança e a região à capital espanhola. Mas por detrás desta inauguração, com presença do presidente da Câmara Municipal de Bragança, escondem-se mortes e precariedade decorrentes das obras.
No dia 22 de julho foi inaugurada a estação ferroviária, que acolhe a Alta Velocidade Espanhola (AVE), em Otero de Sanabria, na província espanhola de Zamora, segundo a Rádio Brigantia. A região de Bragança passa assim a estar a menos de três horas de Madrid.
A viagem de comboio entre Otero de Sanabria e Madrid passa a ser feita numa 1 hora e 50 minutos, mais os 49 quilómetros que existem entre Bragança e a estação ferroviária em questão.
A inauguração contou com a presença de Hernâni Dias, presidente da Câmara Municipal de Bragança, que destacou o impacto da concretização desta reivindicação antiga, ao aproximar o concelho do resto da Europa, mas reforçou também que tem de ser resolvida a questão da ligação rodoviária à estação de Otero de Sanabria.
Entretanto, as obras na linha ferroviária continuam do lado da Galiza e espera-se que ainda este ano se conclua o percurso até Ourense, com a estação ferroviária da Gudinha também muito próxima da fronteira portuguesa.
O que escondem as obras do AVE?
A inauguração da estação ferroviária em Otero de Sanabria era esperada para finais de 2017, tal como referiu o ministro do Fomento espanhol em abril desse mesmo ano, de acordo com o Jornal de Negócios. Nesta altura foram desbloqueadas as obras do AVE no troço entre Madrid e a Galiza
O jornal galego Nós Diário, em maio de 2020, publicou vários testemunhos de trabalhadores das obras da alta velocidade na província galega de Ourense.
A Confederação Intersindical Galega (CIG) foi a promotora desta iniciativa, que mostrou “as condições de escravidão, exploração e falta de segurança laboral” destas obras.
Um dos testemunhos foi o de Xurxo: “Passava o dia todo a trabalhar como um escravo, com os encarregados aos berros e com insultos.
Trabalhamos colocando as travessas da linha sem parar, das 8 da manhã até às 9 ou 10 da noite, até que eles te mandam parar; nesse tempo estávamos sem comer ou comíamos dentro do túnel, quase sem parar, só nos davam uma sande”. Xurxo refere que, às vezes, deixavam-nos ir almoçar ao hotel, mas “descontavam uma hora de trabalho do salário”.
Pedro, outro dos testemunhos recolhidos pela CIG, afirmou que “nunca trabalhamos menos de 10 horas e não nos pagavam as horas extra, mas eles sim as faturavam aos clientes”.
“Não tínhamos as ferramentas necessárias. Às vezes nem nos pagavam o salário normal, e mesmo que reclamasse, eles não ligavam; no final tinha que ligar para Madrid (onde está sediada a empresa) para que me pagassem”.
“Tínhamos assinado que nos iam dar roupa de trabalho, e quando chegou o inverno pedimos à empresa a roupa de inverno, mas negaram-se a dar-nos. Trabalhamos vários dias cheios de frio”.
“Íamos entubar sem material de segurança, sem linhas de vida, nem redes, literalmente suspensos sobre o vazio. Andávamos sem capacete de proteção e ninguém dizia nada, não sei como não houve mais mortes”.
Já em 2015, a União Local do sindicato nacional em Verín e A Limia, denunciava que “as condições laborais nos troços de Lubián, A Gudinha, Viana do Bolo, Campobecerros, Laza e Vilar de Bairro, foram degradando-se de tal forma que, neste momento, pode-se dizer que roçam a miséria laboral e o terceiromundismo”.
Em maio de 2020, a CIG registou que os trabalhadores das obras do AVE já tinham feito mais de 70 mil horas de forma ilegal, tinham acontecido mais de 20 acidentes de trabalho, com 6 mortos e à volta de 30 feridos, inclusive com diversas amputações.