A propósito da tarifa social da internet, a deputada Isabel Pires fala ao esquerda.net sobre aquela medida, o serviço de internet em Portugal e as operadoras de telecomunicações. “Nos últimos anos a tendência europeia é de descida dos preços, em Portugal é de aumento”, critica a deputada.
Em entrevista ao esquerda.net, realizada a propósito da tarifa social da internet decidida pelo Governo na passada quinta-feira, a deputada do Bloco de Esquerda Isabel Pires afirma que “Portugal tem dois problemas nesta área particularmente graves”. “Em primeiro lugar, a cobertura de rede ainda não é uniforme pelo país, o que potencia desigualdades sociais” e “em segundo lugar, os dados europeus indicam que Portugal continua com preços acima da média europeia”.
Sobre as operadoras, Isabel Pires destaca “estando perante um serviço com uma importância cada vez mais universal, este tipo de modelo de concentração em 3 grandes operadores não beneficia ninguém a não ser os próprios”.
Considerando o serviço universal e público de internet o debate fundamental, a deputada salienta: “apenas com a criação de um serviço universal é que conseguiremos esbater ou acabar com as desigualdades existentes no território atualmente, sem que as populações estejam demasiado sobrecarregadas com os preços exorbitantes”.
O Governo aprovou a tarifa social da internet. Que achas sobre esta medida, em geral? E sobre o concreto da medida decidida pelo Governo?
A ideia da criação de uma tarifa social da internet é interessante e potencialmente poderia beneficiar muitas famílias com menores rendimentos. A realidade do último ano em particular veio comprovar que, no geral, os serviços de telecomunicações (onde a internet ganha preponderância) são fundamentais, seja para trabalho, para escola ou para o contacto entre as pessoas. Ora, Portugal tem dois problemas nesta área particularmente graves. Em primeiro lugar, a cobertura de rede ainda não é uniforme pelo país, o que potencia desigualdades sociais. Em segundo lugar, os dados europeus indicam que Portugal continua com preços acima da média europeia. Aliás, nos últimos anos a tendência europeia é de descida dos preços, em Portugal é de aumento.
Estes dois problemas conjugados levam-nos a temer que a tarifa social da internet possa não chegar ao número de famílias previsto. Uma família até pode ter direito a esta tarifa, mas se viver em regiões do interior profundo do país, por exemplo, de que lhe serve uma tarifa social de um serviço a que não tem acesso porque não há cobertura de rede? No momento em que nos encontramos, o acesso a serviço é ainda um ponto de partida muito desigual pelo país, e isso vai criar distorções na dita tarifa social da internet.
Depois, a oferta de 10 Gb não nos parece suficiente para uma família em que, por exemplo, duas pessoas estejam em teletrabalho. São ainda matérias que nos levantam dúvidas no que tem sido apresentado pelo Governo e que esperamos que possam ser esclarecidas e resolvidas rapidamente.
O que achas da reação Associação dos Operadores de Comunicações Electrónicas (Apritel), que, em primeiro lugar, quer adiar a medida considerando que um “valor simbólico de cinco euros” “representa um desconto muito superior ao que existe, por exemplo, na tarifa social de energia, que é de 33,8%”?
É a reação expectável. As operadoras de comunicações em Portugal têm feito um lóbi grande sobre qualquer alteração em vista no seu posicionamento de mercado. A reação à tarifa social é um exemplo, mas já a reação à proposta de lei que altera a Lei das Telecomunicações foi semelhante no que toca a medidas de proteção dos consumidores.
Os operadores de telecomunicações em Portugal têm tido lucro, ano após ano, lucros esses que aumentaram no ano de pandemia. Por isso é que as posições que a Apritel, pela voz do ex-ministro Pedro Mota Soares não são aceitáveis. Há 3 grandes operadoras no mercado português, com preços semelhantes e produtos que praticamente não diferem. Portugal, como disse, é dos poucos países que diverge da tendência europeia de diminuição de preços e diversificação de oferta, além de condições contratuais de fidelização que queremos mudar. Estando perante um serviço com uma importância cada vez mais universal, este tipo de modelo de concentração em 3 grandes operadores não beneficia ninguém a não ser os próprios.
Além disso, a Apritel defende que a tarifa deve ser financiada com dinheiros públicos, passando a fatura aos contribuintes, que pensas disso?
Novamente, reação expectável e que, creio, não pode ser aceite. O investimento das operadoras em infraestruturas não tem sido significativo ao longo dos últimos anos, os preços são altíssimos, não há diversificação de oferta, estão em conflito permanente com o regulador e o governo. Isto é uma atitude que nos leva a pensar que o modelo de qualquer tarifa social que se crie deve ser muito claro sobre o financiamento da medida, que sim, deve ser dos operadores.
O que achas sobre a necessidade de um serviço universal e público de internet?
Creio que esse é o debate fundamental. Além da tarifa social da internet, estamos a discutir a proposta de alteração à Lei das Comunicações Eletrónicas. O governo optou por transpôr a diretiva europeia sem grandes inovações. E no serviço universal é onde o debate deve estar focado (além de matérias que têm a ver com fidelizações e direitos do consumidor que precisam de ser reforçados).
Como disse inicialmente, a forma de chegar, de facto, a todas as pessoas, é criando um serviço universal que garanta o acesso a serviços mínimos de telecomunicações, onde se inclui internet. Esse serviços “mínimo” não é hoje garantido. E, portanto, apenas com a criação de um serviço universal é que conseguiremos esbater ou acabar com as desigualdades existentes no território atualmente, sem que as populações estejam demasiado sobrecarregadas com os preços exorbitantes. E, claro, é preciso ter em conta as cláusulas de compensação aos operadores. Aí o Estado deve ser duro e não ceder ao lóbi, porque senão serviria apenas para que os operadores tivessem mais um rendimento garantido.
Temos falado do erro que foi a privatização, na altura, da PT e o que isso significou no facto de o Estado deixar de ter infraestruturas de telecomunicações e da necessidade de um serviço público, proposta aliás já rejeitada no parlamento. Agora queremos focar o trabalho de especialidade da lei das comunicações eletrónicas no serviço universal. Porque com uma tarifa social de internet que esperamos para ver se funciona, mas sem um serviço universal digno desse nome não teremos avanços significativos e que são cada vez mais necessários nesta área.
Entrevista realizada por Carlos Santos
Publicado por Esquerda.net a 27 de junho de 2021
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