Tribunais reabertos no interior com atividade quase nula, porquê?

Na passada quinta feira, dia 23 de Janeiro de 2020, o Jornal “Público”, citando dados do Ministério da Justiça deu a conhecer que nos primeiros nove meses em que os tribunais de proximidade reabertos fizeram julgamentos cíveis, houve locais onde não se fez uma única audiência.

Depois de Paula Teixeira Cruz, antiga Ministra da Justiça do último Governo PSD/CDS ter, em 2014, encerrado 47 tribunais (fecho de 20 e despromoção de 27 a secções de proximidade) justificando a alteração com um investimento no “princípio da especialização da oferta judiciária”, a atual ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, no imediato empossamento do XXI Governo Constitucional, em 2015, manifestou a sua vontade de alterar, novamente, o mapa judiciário e assim reabrir os tribunais fechados (Boticas, Murça, Mesão Frio e Sabrosa- distrito de Vila Real; Mêda e Fornos de Algodres- distrito da Guarda; Tabuaço, Armamar e Resende- distrito de Viseu, foram alguns dos tribunais reabertos) pela sua antecessora referindo que “basicamente, aquilo que esta medida visa é devolver a presença do Estado. É devolver a presença do Estado numa função que é de soberania a parcelas extensas do território”.

Em 2017, a Ministra da Justiça deu seguimento à sua vontade e foram reabertos 21 tribunais de proximidade, a meio do mesmo ano a média estava nos dois julgamentos por mês, mas também se verificou a inexistência de atividade em alguns tribunais que acabam por funcionar como meros balcões de atendimento.

Os 21 tribunais de proximidade reabertos começaram, numa primeira fase, por receber apenas processos crime, cuja moldura penal seja inferior a 5 anos. Em fevereiro de 2019, passou a ser obrigatório realizarem-se nestes tribunais os julgamentos cíveis que envolvam valores até 50 mil euros.

Desde então, realizaram-se 171 julgamentos deste género. Nalguns tribunais, não se realizou nenhum como é caso de Armamar ( distrito de Viseu) e Mesão Frio ( distrito de Vila Real).

Esta pouca atividade, antes de mais será justificada pelo despovoamento que há muito o interior do país está refém e que se reflete no desinvestimento das sucessivas políticas públicas de PSD, CDS E PS, nomeadamente, não só no encerramento de tribunais, mas também serviços de proximidade de saúde, educação, repartições públicas o que consequentemente leva um esvaziamento populacional, destes territórios, ano após ano.

A Lei de Organização do Sistema Judiciário, no nº1 do artigo 2º estabelece que “os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.”- Aos tribunais não compete apenas administrar a justiça em nome do povo, incumbe-lhes servir as populações, garantindo a defesa e promoção dos seus direitos em situações de iminente perigo e violação dos mesmos. Impõe-se, uma aproximação da justiça aos cidadãos. Mas, uma aproximação desvinculada de qualquer aproveitamento político populista, desproporcional e desfasado das reais necessidades das localidades. Quando Paula Teixeira Cruz decidiu encerrar 47 tribunais, não decidiu apenas encerrar tribunais. Decidiu contribuir para o aumento do despovoamento das localidades do interior do país que rotineiramente vêem serviços a serem-lhes fechados.
Também se esqueceu que em muitas localidades não há uma rede de transportes públicos que permita à população chegar aos tribunais da sede de distrito, ignorou as reclamações dos autarcas e dos locais, promovendo assim o abandono do território ao não serem garantidos os serviços básicos essenciais.

Num Estado de Direito Democrático, deve-se pugnar por uma justiça, eficaz e próxima dos cidadãos. Assim, a reabertura de tribunais em 2017 terá visado cumprir isso mesmo. A questão é que este processo tem de ser também acompanhado por um forte investimento em recursos humanos, recursos materiais, em infraestruturas com condições dignas para quem lá trabalha e frequenta, e sobretudo deve ser o começo da aplicação de políticas públicas que travem este ciclo de despovoamento que o interior do país e os territórios de baixa densidade sofrem, as políticas para o Interior não devem ser isoladas, sejam elas na área da justiça, da saúde ou da educação.

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Nascida a 9 de setembro de 1996, em Lamego, Distrito de Viseu.
Estuda no Porto, licenciada em Direito e mestranda em Criminologia.

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