“A rua é nossa e é tempo de a reclamarmos”

Cravo Vermelho em Viseu

Há um ano, estávamos a viver o nosso primeiro confinamento devido à pandemia. Por esse motivo, faz hoje um ano, juntei-me às vozes do meu bairro e cantei (ou gritei) a “Grândola, Vila Morena” na varanda. E foi linda a festa! Cantámos, gritámos e agitámos os cravos por nós elaborados. Foi o mais próximo da rua que conseguimos, porque se o 25 de Abril foi conquistado na rua, também tem de ser afirmado na rua, pois a rua é nossa e é tempo de a reclamarmos. Tal como é tempo de reclamarmos Abril, na defesa de uma vida por inteiro. 

Queremos ser felizes e queremos tudo! Não por ganância, não por utopia, mas por justiça. Sabem, em conferências sobre direitos (quaisquer que sejam) digo sempre algo como “vamos devagar, mas chegamos lá”. Mas devagar não é suficiente. Devagar faz-me lembrar as minhas viagens diárias de 4 horas para a escola, na estrada nacional para poupar nas portagens, e ter de fazer, depois, a limpeza ao motor do carro. Devagar não é suficiente. Tenho 47 anos. Abril tem 47 anos. Devagar faz com que o lixo estrague o motor. 

Segundo o índice de Gini (que quantifica a desigualdade na distribuição do rendimento), Portugal melhorou ligeiramente, mas ainda é um dos países mais desiguais da Europa. 

Temos desigualdades salariais, desigualdades sociais e territoriais (basta andarmos pelas nossas freguesias, por exemplo, ou vermos a dicotomia interior/litoral), desigualdades no acesso à cultura e à educação, desigualdades no acesso à saúde, desigualdades no tratamento para as pessoas com deficiência, desigualdades até na visibilidade enquanto cidadãs e cidadãos (como acontece no Censos com as pessoas ciganas e LGBTI+). 

Queremos mais do que sobreviver, queremos viver. Queremos viver a nossa liberdade em pleno. Não queremos roletas numa sala de aula para que, durante dez minutos, as nossas crianças vejam o que lhes calha na sorte e ver se saltam ou giram. Queremos ter tempo para brincar, para conversar, para estar com as nossas crianças. Queremos que tenham recreios com condições para que possam brincar e ser. Queremos que tenham a liberdade de viver sem ser passar das quatro paredes das escolas para as quatro paredes de um ATL que não passa de uma espécie de centro de explicações. Queremos que a sua casa seja mais do que o sítio onde jantam e dormem e onde esperam que o dia seguinte se repita. Queremos ser felizes! 

O 25 de Abril deu-nos o salário mínimo nacional, mas queremos não ter de trabalhar a semana inteira para continuarmos a ser pobres. Queremos não ter de pagar para os bancos e não ter de pagar empréstimos para obras vergonhosas como aqui acontece. Queremos o nosso tempo de serviço contado e queremos o nosso trabalho valorizado. Queremos concursos justos e transparentes tanto a nível nacional (como os dos professores e educadores) como a nível local (basta falar na Cultura). A transparência anda de mãos dadas com a justiça e com a democracia, por isso não se entende como na Assembleia Municipal de Viseu se deixaram de votar as Recomendações à Câmara, por exemplo. 

O 25 de Abril deu-nos o direito à reforma, por isso não queremos morrer a trabalhar nem trabalhar até morrer. 

O 25 de Abril deu-nos os subsídios de férias e de Natal, exceto a quem trabalha por recibos verdes. 

Conquistámos o direito à greve e a liberdade de manifestação, de reunião e de associação, bem como o direito à contratação colectiva e à organização social, mas há quem ande por aí com vontade de lhes deitar o dente. 

Celebramos o fim da guerra colonial e a descolonização, mas ainda “temos de descolonizar as mentes”. Ainda não se cumpriu o Princípio da Igualdade consagrado no Artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. 

Temos o direito à habitação, mas falta habitação social. Falta em número e em dignidade, e sem estar “guetizada”. Falta habitação com rendas controladas. Falta habitação no centro histórico sem ser para “turista ver” mas para, de facto, viver. 

Temos o SNS que o 25 de Abril nos deu (apesar dos votos contra na altura) e a Escola Pública, principal instrumento de Igualdade, mas quem neles trabalha e quem deles usufrui são esquecidos, desvalorizados e desprezados. 

Precisamos da Cultura para combater a solidão, a tristeza e a ignorância. Precisamos de voltar aos anos da Revolução e sermos activistas nas associações, nas cooperativas, nas comissões de trabalhadores, nos sindicatos. Precisamos de viver a democracia e a cidadania todos os dias. Precisamos que o ambiente não seja apenas uma bandeira para activistas ambientais e alguns partidos, ou que se transforme no cliché “Cidade-Jardim” quando se usam herbicidas venenosos, se abatem árvores ou se deixam secar jardins. 

Para que nunca se esqueça a conquista do direito à justiça, eleições livres, direito de voto aos maiores de 18 anos e a liberdade de organização política, como em todos os Abris, prestamos tributo a todos aqueles que se envolveram na luta contra o fascismo e a ditadura. 

Contem com o Bloco de Esquerda para construirmos um futuro melhor no Concelho de Viseu. Viva a Democracia. Viva o 25 de Abril! 

 

Intervenção enquanto Deputada Municipal pelo Bloco de Esquerda nas comemorações do 25 de Abril em Viseu

 

Arquivo sobre o 25 de Abril no Interior do Avesso

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Nasceu em Viseu, em 74. Professora na Escola Pública, de norte a sul do país, sempre no interior. Mestre em Anglística com tese sobre a Utopia na Literatura e na Cultura. É delegada sindical da Fenprof. Activista do Núcleo de Viseu da ONG Olho Vivo – Associação para a Defesa do Património, Ambiente e Direitos Humanos. Activista da AZU (Ambiente em Zonas Uraníferas - Associação Ambiental). Activista na Plataforma Já Marchavas. Nesta legislatura, é deputada municipal do BE, na Assembleia Municipal de Viseu. Dirigente nacional do Bloco de Esquerda e membro da Comissão Coordenadora Concelhia de Viseu do BE. Membro da direcção da FRAPViseu – Federação Regional das Associações de Pais de Viseu. Membro da direcção da Associação de Pais [e mães] e Encarregad@s de Educação de Vildemoinhos.

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