A democracia nos estreitos limites da luta de classes

O que fazer quando a democracia dá tiros nos seus próprios pés ou eleger os seus carrascos? Até onde devemos ir no apoio ao suicídio da democracia?

Tanto para colocar como para responder a estas questões talvez tenhamos de esclarecer de que democracia estamos a falar e, principalmente, dentro de que limites. Porque uma democracia confinada aos ciclos eleitorais, limitada a sufragar o poder, os seus governantes, não é ainda uma democracia que se confunda com o devir de um povo. Afinal de que democracia falamos quando se trata da nossa organização económica e de seus interesses ou quando falamos na nossa relação com a União Europeia e seus tratados? Talvez não seja demais repetir que o nazismo foi eleito democraticamente.

É preciso não esquecer que a democracia tal qual a conhecemos, a democracia real, é o produto histórico da burguesia para a resolução dos conflitos que atravessam a sociedade do capital, para o apaziguamento desse mesmo conflito. A democracia parlamentar e liberal é uma forma de escamotear, de enfraquecer a vitalidade da luta de classes que pulsa por detrás, ou como fundo latente, da vida democrática burguesa. E é preciso, em nome de uma democracia mais ampla, trazermos sempre a palco a luta de classes. O que venceu este domingo foi a burguesia contra o proletariado; mesmo se considerarmos que esta burguesia tomou conta de franjas proletarizadas do nosso país. Não nos resignarmos a estes resultados eleitorais não é embandeirar em arco com o coro da insatisfação com a democracia, mas, pelo contrário, procurar defendê-la da burguesia mais reacionária que nos apareceu agora que celebramos os cinquenta de abril. Por isso também as lutas que se seguirão na nobre tradição da resistência não poderão conformar-se ao confronto institucional mas têm de se enraizar no terreno do social, da vida quotidiana onde o discurso do populismo de extrema-direita grassa como sempre grassou.   

Para compreendermos estes resultados precisamos das ferramentas com que analisamos a luta de classes. Esta foi uma vitória do revanchismo do grande capital cujas margens de lucro estagnaram; do ressabiamento pequeno-burguês incapaz de ascender na pirâmide do neoliberalismo onde o que impera é a acumulação da propriedade dos muito poucos; do triunfo do marialvismo machista que depende da exploração das mulheres para sustentar os seus pequenos e mesquinhos privilégios; do trabalhador branco, nacional, contra o trabalhador estrangeiro, racializado; enfim, foi uma vitória pela continuação da sociedade de classes e suas opressões contra a igualdade. Falar em democracia e em respeito pela democracia em abstrato não chega, até porque ela facilmente, na sua formulação burguesa, se converte num instrumento de legitimação da opressão e da desigualdade. A democracia na sua forma burguesa é também a continuação da luta do capital contra o trabalho; da mesma forma que o 25 de abril foi a expressão material da luta do trabalho contra o capital. Quer dizer, a democracia é tudo menos “neutra” e deve ser tudo menos “cega”.    

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Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.

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