A Luta tem de Ser iniciada Agora
Estamos em Portugal, somos portugueses e tentamos viver com diversidade funcional, intelectual e sensorial. É nessa condição que temos sentido severas e permanentes desvantagens, sem, muitas vezes, os direitos humanos mais básicos terem aplicação nas nossas vidas, como se fossemos uma qualquer espécie de seres inferiores ou cidadãos de segunda. Porquê?
A Constituição do nosso país é muito clara, ao consagrar o princípio da igualdade de todos os cidadãos e de todas as cidadãs, no n.º 1 do seu artigo 71.º referindo que os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres nela consignados.
Na perseguição desse princípio, a Lei n.º 38/2004, surgiu com os objectivos de promoção da igualdade de oportunidades; promoção de oportunidades de educação, trabalho e formação ao longo da vida; promoção do acesso a serviços de apoio e; promoção de uma sociedade para todos, através da eliminação das barreiras e da adopção de medidas que visem a plena participação das pessoas com deficiência.
Ainda o XXI Governo Constitucional que atualmente assume os destinos do nosso país, estabelece como uma das prioridades da acção governativa a promoção da inclusão das pessoas com deficiência e reconhece como fundamental a garantia de condições de acesso e de exercício de direitos de cidadania, através da sua participação nos diversos contextos de vida, em igualdade com os demais cidadãos e cidadãs.
Internacionalmente, Portugal, também se mostra interessado na construção de uma sociedade inclusiva, com previsão e aceitação de toda a sua diversidade.
Todavia, a European NIL veio alertar para aquilo que, em circunstância alguma, pode ser esquecido: apesar da referência específica ao paradigma da Vida Independente no artigo que evocamos anteriormente, toda a Convenção só pode ter a sua real aplicação com a efectiva implementação da VI.
Ainda no plano internacional, o nosso país responsabilizou-se também pela implementação da Estratégia da União Europeia para a Deficiência 2010 – 2020 e da Estratégia para a Deficiência (2017 -2023), do Conselho da Europa.
Tudo isto é lembrado, e muito bem, no inicio do Decreto-Lei n.º 129/2017 de 9 de Outubro que veio instituir o «Modelo de Apoio à Vida Independente», a base do primeiro projecto-piloto nacional de Vida Independente. Sim, havia uma data de início prevista para setembro de 2018. Os projetos-piloto só neste primeiro trimestre de 2019 arrancarão, na realidade. Depois do primeiro Centro de Vida Independente ter sido fundado em Berkeley, Califórnia, em 1972.
Trata-se de um projeto-piloto, sabemo-lo bem. No entanto, este início (mais que tardio) e carácter precursor não consegue ser suficiente para justificar ou, até mesmo, tolerar falhas gravíssimas que detectamos tanto do Decreto-Lei já referido, como também nas regras e condições de financiamento europeu a que concorremos. «O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita», diz a valiosa sabedoria popular; e da nossa cabeça não tem saído este medo porque, afinal, são as nossas vidas que estão em jogo, com todos os nossos sonhos e aspirações legítimas de cidadãos plenos de direitos que cremos, apesar de tudo, ser.
Ainda não conseguimos entender o porquê da sustentação deste modelo em Instituições Particulares de Solidariedade Social, assim como a necessidade de ser gerido por equipas técnicas que insofismávelmente dão corpo ao modelo médico, abandonado na generalidade dos países ditos desenvolvidos.
Neste ponto do caminho jogaremos as regras do jogo. No entanto, contem connosco para uma luta acérrima, no sentido de se considerar num futuro próximo outros modelos de financiamento como, por exemplo, pagamentos diretos às pessoas com diversidade funcional, por forma a que venhamos a ter a possibilidade de contratualizar diretamente a nossa assistência pessoal. E na ordem das efetivas necessidades de todos e de cada um de nós. Obviamente, com o compromisso de colaborar na fiscalização dos pagamentos.
A previsão da disponibilização de assistência pessoal tal como está consagrado na atualidade, e leia-se que esta atualidade terá a duração de três anos, inviabiliza, efetivamente, a autonomização da larga maioria das pessoas que irão participar no projeto, sendo um princípio contrário ao que devia nortear um projecto como este. Os limites de horas diárias disponibilizados têm, naturalmente, o mesmo efeito e sugere-nos ser abusivo intitular um projecto com estas características como sendo de Vida Independente.
Se no decreto já referido encontramos uma clara e preocupante orientação institucional, perante as condições de financiamento as dúvidas de que foi travada a participação direta das pessoas com diversidade funcional, desapareceram. De facto, aquilo que devia ser o ponto de partida de um projecto como este, não foi minimamente garantido, tendo sido criada uma nova e dramática versão de Vida Independente à portuguesa.
E não será com estes projetos-piloto que essas situações deixarão de acontecer. Acreditamos que deve haver uma política para a Vida Independente sem estar dependente de financiamentos europeus, prevista em sede de Orçamento de Estado, e nunca menor no seu financiamento ao consagrado a respostas institucionais, onde os seus utilizadores assumam um papel activo no seu desenvolvimento e gestão. Sem subterfúgios e qualquer género de constrangimento. Nós estamos prontos e ávidos para assumir o controlo das nossas vidas. Assim, nos permitam. Afirmando bem alto e aos sete ventos o lema: Nada Sobre Nós, Sem Nós.
O CVI - Centro de Vida Independente, é uma Associação sem fins lucrativos, formalizada em 2015, mas com atividade desde 2014. Tem por missão promover a qualidade de vida das pessoas com diversidade funcional, intelectual e sensorial (deficiência), a nível social e económico, dando a conhecer e ajudando a implementar, na prática, o conceito de Vida Independente. O CVI Norte consubstancia estes mesmos ideais e valores, unindo as Delegações de Vila Real e do Porto.