“Não há bailes no interior?”: as reflexões, opiniões e experiências de Leonor Afonso, membro da organização do Quintanilha Rock.
Não se podendo “bailar” no interior este ano, quais os principais desafios para o setor cultural, quais as alternativas encontradas, quais as expectativas para o futuro e quais as medidas necessárias para que a cultura nunca pare no interior? Estas foram as questões que motivaram o Encontro do Avesso “Não há bailes no interior?”, com a presença online de Artur Mendes (Boom Festival), Leonor Afonso (Quintanilha Rock) e Mário Correia (Festival Intercéltico de Sendim).
Leonor Afonso explicou como o Quintanilha Rock vai para além dos concertos, promovendo o envolvimento da comunidade: “a nossa preocupação nestes últimos anos é de facto alargarmos o conceito e não ficar só na questão da música”, “há um dia que é dedicado inteiramente à comunidade, em que temos projetos artísticos com a comunidade, e quando falo de projetos artísticos falo a nível musical, falo a nível das artes visuais, a fotografia, a escultura, instalações, falo a nível de teatro e performances, etc. E cada vez mais trabalhamos com a comunidade.”
Além disso, o conceito de festival deve também ser alargado para todos os profissionais que envolve para além dos que sobem ao palco, “um festival, um espetáculo de teatro, um concerto não se faz só com músicos, com cantores, com atores, faz-se com uma vastíssima equipa que é preciso acarinhar e tratar com dignidade”, através de “políticas culturais e orçamentais”. “Não é só o ator, o músico, a banda que vem dar um concerto ao Quintanilha Rock, mas toda a logística que está por trás e toda esta parte técnica que tem que ser respeitada e tem que ser vista da mesma forma que é vista a banda, por exemplo.”
Algo bastante frisado pela oradora, foi que a cultura em Portugal é vista de forma supérflua, algo que teme que se acentue com a pandemia, ignorando que a cultura é a “base da humanidade”, “a base da evolução”, o que “faz evoluir o ser humano e o torna mais humano”. Algo essencial quando “estamos numa sociedade cada vez mais desumana”, “a cultura é essencial para conseguirmos manter e preservar alguns valores da humanidade.”
Além deste problema, “um dos maiores problemas da cultura em Portugal”, que é a “cultura ser vista como algo supérfluo não como um bem essencial”, Leonor considerou que “temos duas realidades distintas […] que há pessoas que são tratadas de uma forma e há pessoas que são tratadas de outra forma. Temos a cultura de “elite” e temos a cultura “popularucha”, e digo “popularucha de forma irónica.” No seu entender, há a ideia de que “tudo o que é rural e do interior é popularucho, não é importante”, levando a que se olhe para as “pessoas do interior, como aqueles velhos desdentados e senhoras de bigode que até têm muitas histórias para contar, e sabem muito de música, e sabem muito de literatura, mas que não são ouvidos e por isso vão levar com os restos”. Por esse motivo, sugere que existam medidas de discriminação positiva para o setor cultural no interior, no sentido de “acabar com esta discriminação brutal entre a cultura de “elite” e a cultura “popularucha””.
“Como agora não é tempo de bailar socialmente é tempo de bailar interiormente […] no sentido geográfico, mas também no sentido espiritual, e é de facto essa interioridade e esse baile interior, que nós todos agora podemos e devemos fazer, como bailar interiormente? […] Só depois de percebermos como é que se baila interiormente, é que vamos estar prontos, e acho que mais fortes e ainda mais resilientes, para conseguirmos continuar a bailar socialmente.”
Ver também:
“Discriminação positiva para quem faz cultura em regiões de baixa densidade”
Encontro do Avesso: “Nun hai beiles ne l’anterior?” (Não há bailes no interior?)
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