Faz frio.
É o tempo dele.
Mesmo num país Mediterrânico como Portugal, faz frio, sabem?
E não falo disto por viver em Vila Real, que já passei muito frio em Lisboa, em Tomar, em Idanha. É mesmo porque me parece que esta do clima mediterrânico leva muita gente ao engano.
Segundo a wikipédia, “clima mediterrânico ou clima de verão seco é um tipo de clima caracterizado por invernos chuvosos e verões secos”. Não me vou pôr a caracterizar as temperaturas médias, mínimas, fenómenos meteorológicos e afins, que disso há quem fale muito melhor que eu.
Mas preciso escrever sobre o frio que faz desde que li o título do Público de 22 de outubro que dizia “Portugal desconhece quantas pessoas vivem em pobreza energética”. Este título ficou pelo meu pensamento porque encerra em si, desde logo, várias questões.
Desconhecemos quantas pessoas vivem em pobreza energética neste país? Pois desconhecemos. Quantas pessoas, onde estão elas, os seus perfis sociais e económicos, desconhecemos tudo isso.
Este título transporta-nos para as condições habitacionais, mas Portugal também sofre de pobreza energética em muitas escolas, esquadras, quartéis, e outros edifícios públicos.
E por fim, pobreza energética. Diz o artigo que “No Observatório Europeu para a Pobreza Energética, a Comissão define-a como uma “forma distinta de pobreza, associada a um conjunto de consequências adversas para o bem-estar e saúde das pessoas”, que pode agravar quadros de doença respiratória, cardíaca e mental. Não são só as temperaturas que produzem o mal-estar, é também “o stress associado a facturas energéticas incomportáveis”.”
Resumindo, temos casas mal construidas e faturas energéticas absurdas. E pessoas que sofrem com isso, mas quem são elas? Vou-me restringir ao interior centro e norte e arriscar afirmar que são a maioria. Haverá quem me diga que estou a exagerar… mas quem está em condições de pagar uns 300-400€ de pellets ou 500-600€ de electricidade por Inverno para ter a casa aquecida? Quantas casas conhecem que tenham aquecimento central, boas janelas, isolamento eficaz? Em que distrito o preço da electricidade é acessível ao ponto de nenhum munícipe andar a fazer contas se liga o aquecedor no quarto ou na sala?
Com este enquadramento, será justo dizer, que desde a casa de granito de uma aldeia no Alvão em que o único aquecimento é uma lareira, ao apartamento em Bragança forrado a azulejos para a “estudantada” não estragar e frio como uma arca frigorífica, até à moradia no Fundão construída em “tijolo de 15” com sinais de humidade da fundação ao telhado, o frio se faz sentir a sério.
Até há gente muito amofinada pelos lamentos desta época, e que responde, “está frio… é o tempo dele!”. Mas eu acredito sinceramente que os lamentos não são acerca do clima, são pelo desconforto da época. Eu falo por mim. Dá-me um enorme prazer passear no ar frio e seco de Vila Real, por entre as árvores com folhas de mil cores de outono, e quando chega a neve ter a montanha a 10 min de distância. Quando me queixo do frio aquilo em que estou a pensar é no nariz gelado quando acordo de manhã apesar de estar enroladinha no edredom, em dar banho a duas crianças numa casa de banho aquecida a termoventilador, nas correntes de ar que tomam conta da casa em noites de temporal.
Mas a minha experiência são “pormenores” na realidade nacional. Em Portugal, país do sul da Europa, em pleno século XXI, morre-se de frio. Morre-se por agravamento do estado de saúde de pessoas já débeis, morre-se de hipotermia, morre-se de intoxicação por monóxido de carbono das braseiras. E não se morre pouco… segundo dados do Público, em 2018 houve 397 mortes atribuíveis ao frio.
E que estamos a fazer a este respeito? Estamos a pensar seriamente em mudar esta realidade? Há soluções em cima da mesa, ou vamos continuar a desenrascar?
Segundo António Mexia “A electricidade não é cara, as casas é que são mal construídas”, mas é capaz de já ter mudado de opinião depois de ler o estudo “A pobreza energética em Portugal” encomendado pela própria EDP ao ISEG.
Neste estudo fala-se que a “análise desenvolvida mostra o amplo campo existente para alargar o espectro de políticas públicas existentes.”. É natural que haja grande margem de progressão, por agora a única medida lançada pelo Governo é a tarifa social na eletricidade e gás natural, e esta aplica-se a clientes em situação de carência económica e não a todos os clientes em situação de pobreza energética. As políticas públicas são efetivamente uma das formas de melhorar esta realidade e melhorar depressa. Desde logo pela renacionalização da EDP, passando o controle do setor energético novamente para o Estado. Depois pela criação e implementação de uma estratégia nacional de eficiência energética no património edificado, com linhas de financiamento de fácil candidatura e prazos alargados.
Por isso antes de mais é essencial fazer a caracterização da realidade nacional no que concerne este tema. Depois, tal como refere o estudo, é necessário a “aplicação supletiva de medidas de apoio ao preço/rendimento” e a “proteção contra a desconexão nos meses de inverno”.
Mas eu gostava que fosse possível pensarmos “fora da caixa”, como por exemplo em soluções comunitárias de aquecimento, que se podem aplicar a aldeias, bairros ou prédios. Gostava que as medidas de apoio à eficiência energética de edifícios não servisse apenas para dinamizar o mercado das empresas de janelas e de painéis solares, mas tivesse fundos para mudar realmente o parque habitacional do país. Gostava que além de medidas de apoio ao preço da energia houvesse campanhas pelo uso racional dessa energia, para não continuarmos a construir barragens para as alturas de picos de consumo como o Inverno.
Ou então mudamo-nos todos para Faro, e tá feito.
Nasce em 1978 em Lisboa. Passa a adolescência em Tomar e segue para Vila Real onde se forma em Engª Agrícola e onde vive desde 1997. Ativa no movimento associativo desde sempre, pertence neste momento às Mães d’Água - Movimento pelo regresso do Parto na Água ao SNS e ao núcleo da Rede 8M de Vila Real. Mulher, Mãe e Ativista.