A arte da ignorância

Foto de Ana Mendes
Vivemos num país estruturalmente ignorante, os 41 anos de Estado Novo asseguraram se bem disso. Mas quais são as suas consequências? Essa é a questão central dos dias  de hoje. 

Uma das ditas consequências é o tão falado racismo. Racismo que segundo alguns é  inexistente, de tal modo inexistente que é necessária uma manifestação para o provar.  Segundo outros, é algo cultural, enraizado e apenas pode ser abolido através da luta  racial, algo, no mínimo, questionável. 

O estigma existe e nega-lo é ser oportunista ou cego; eu mesmo já o senti várias vezes. Mas o problema agravou-se quando os extremistas de plantão começaram a culpabilizar  os ciganos e todas as minorias em geral de todos os problemas e dificuldades  enfrentadas por Portugal, principalmente no que toca aos problemas de cariz financeiro. 

Em Portugal, de 2007 a 2019 foram injetados pelo Estado às instituições financeiras  cerca de 28,3 mil milhões de euros, com dinheiro dos contribuintes mesmo o SNS  encontrando-se fragilizado e a educação sentindo uma importante falta de  investimento. O amado/odiado RSI abrangia, em 2018, 224 mil pessoas, recebendo, em  média, 114,56 euros mensais e é sabido que apenas cerca de 3% dos beneficiários são  de etnia cigana. Pessoas abandonadas em guetos, sem educação e escolaridade mínimas  e ostracizadas são as responsáveis por drenar os cofres do Estado e deixar os  contribuintes na maior das injustiças, pelos vistos. 

De onde vem todo esse ódio? Apesar de toda a influência do passado fascista e  colonialista, é, essencialmente, a ignorância. Em 2007, segundo dados da Universidade  da Beira Interior, 45,5% dos portugueses diziam não ler um jornal durante toda a  semana e apenas 30,7% liam uma hora por semana (na sua maioria jornais desportivos),  não sendo a realidade atual muito diferente. Ou seja, os portugueses são, na sua  maioria, desinformados e caem mais facilmente nas Fake News e nas mentiras das redes  sociais e internet, no geral.  

É a ignorância que faz a sociedade ver as minorias como uma ameaça, como seres  diferentes e misteriosos que querem destruir a sua cultura e modo de vida. Por muito  educada, formada e culta que alguém seja vai sempre sentir preconceito contra esses seres estranhos e distantes, é quase um instinto primário de sobrevivência, o medo ao  desconhecido. A ignorância gera medo e o medo chega a tal ordem que se deixam de  ver os membros das minorias como aquilo que são: seres humanos. 

As minorias podem fazer algo contra esse estigma? Claro, se olharmos em frente  promovendo a aproximação e a integração, sem vitimismo. Sou tão português como  cigano e sou tão cigano como português, a “Ciganalândia” é apenas um sonho e uma  miragem, então ao viver em Portugal devo me adaptar às regras e sociedade  portuguesas sem nunca perder a minha própria identidade. Não se deve criar ainda mais  divisão através de ideologias combativas de nós e eles, porque não faz sentido, pois nós  somos eles e eles somos nós, seres humanos. Não acredito que seja pondo caixotes do  lixo a arder e promovendo o isolamento que encontrarei a mudança, de facto eu faço  mais pela transformação de mentalidades indo à escola e convivendo em sociedade  desmitificando a figura preconcebida que foi feita sobre mim, pois a guerra, seja ela qual  for, mesmo legítima, apenas leva a mais repressão.

Os mestres nesta, nada nobre, arte da ignorância são os extremistas que se aproveitam  desta ignorância generalizada da forma mais vil desumanizando as minorias em nome  da sua ânsia de poder. Não nos enganemos, estes seres mesquinhos vêm-nos a todos  da mesma forma sejamos brancos, negros ou ciganos: como peões no seu sórdido e  hediondo tabuleiro de xadrez. 

O Estado deve abandonar estas políticas de isolamento como a criação de bairros sociais  que se tornam em guetos e as ajudas sociais opressivas que nada mais são que veículos  para promover o isolamento étnico e criar armadilhas de pobreza, focando-se, em vez  disso, na integração laboral, no diálogo, na educação, na promoção da convivência  pacífica, na desmitificação, na distribuição das comunidades marginalizadas na malha  urbana, levando à comunhão e à aprendizagem mútua entre povos iguais. 

Talvez eu seja demasiado romântico e otimista, mas ainda acredito no diálogo, na  aproximação, na compreensão, sem extremismos e em que a arma mais poderosa que  podemos ter é o conhecimento. 

Artigo publicado no P3 do Público no dia 5 de outubro de 2020

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Natanael Santos, nascido em Castelo Branco em 1999, vive em Zebreira concelho de Idanha-a-Nova e é estudante de Gestão na ESGIN.

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