Bertolt Brecht dizia que “para quem tem uma boa posição social, falar de comida é coisa baixa. É compreensível: eles já comeram” e isso é, de facto, observável ainda hoje principalmente neste contexto de pandemia. É observável e constatável, pois há dois ou três meses bastava-nos ligar a televisão ou entrar numa rede social para sermos bombardeados com imagens de famílias necessitadas e de momentos de “solidariedade espontânea” onde pessoas de bem levavam alimentos aos “pobrezinhos”. Onde estão essas pessoas carenciadas, perguntam-se os mais atentos.
Essas pessoas estão onde sempre estiveram: na sombra (da sociedade). Não apareceram do nada durante a pandemia e (como é óbvio) não desapareceram de repente, porque o Covid-19 veio apenas marcar e intensificar as diferenças socioeconómicas já existentes. Este tipo de pessoas já vinha de um passado de miséria e esquecimento onde o “sol” não chega.
É verdade que houve casos de pessoas que vinham de classes sociais mais altas e se viram em situações extremas, como foi o caso de alguns dentistas e outros profissionais com altos níveis de formação. Fiquei chocado ao ver a população ficar escandalizada com estes casos, pois, sendo verdade que é estranho ver esta fatia da população em tal situação, deu a sensação que existe uma pobreza aceitável e normal e outra que não. Parece que passar fome é algo normal para quem vive nos bairros sociais e nas zonas empobrecidas. E como a economia voltou a “funcionar” todos os problemas foram resolvidos e tudo isso passou a ser uma não-questão, olvidando que o desemprego ainda está nos 5,6% tendo atingido os 14,6% durante o pico da pandemia (segundo o INE) e a expectativa, se houver uma segunda vaga, é que chegue a 17,6%.
Quem perdeu os empregos foram os trabalhadores precários que trabalhavam, segundo o nosso Presidente da Republica, pela “aceitável quantia de 635€” sem qualificações académicas que lhes permitam encontrar emprego num futuro próximo, contribuindo ainda mais para o empobrecimento dos portugueses, para o crescimento de pedidos de ajuda ao Banco Alimentar (que já cresceram 2,7% em 3 meses) e para o decréscimo do poder de compra geral (com as já vistas consequências para a economia).
Estas pessoas foram esquecidas e já não importam mais, já não dá audiências e o país está interessado em coisas mais importantes, como o regresso de Jorge Jesus ao Benfica, a vinda do Cavani para o mesmo clube ou a Champions em Lisboa (a merecida recompensa aos profissionais de saúde!); que importa que os meus semelhantes estejam na mais profunda das precariedades e que existam crianças a precisarem de cantinas sociais para poderem comer, pelo menos, uma vez ao dia? O que nos importa são os famosos 3 F’s!
Ainda há quem bata no peito e fale com um tom romântico e otimista do Estado Social. “É por isso que se pagam os impostos!”, dizem. Sim teria lógica num outro país, mas no nosso adorado Portugal o dinheiro dos impostos vai para os bolsos das elites e dos seus adorados bancos que fazem negócios com 70% de desconto a magnatas corruptos (condenados) americanos. É magnifico ver as ideias de Keynes serem tão bem empregues!
E onde estão os defensores da Nação e do Povo?! Pois esses estão ocupados a fazer festas com o Olavo Bilac, comícios, escrever frases engenhosas nas redes sociais e fazer uma homenagem ao Ku Klux Klan à frente da sede do SOS Racismo. Pouco lhes importa a miséria e necessidades alheias, pois encontram-se submersos nas sua estupidez e hipocrisia.
Com tudo isto não tenciono criticar as associações de ajuda social como (entre várias outras) o Banco Alimentar, a Cáritas ou (mais próximo a mim) a Letras Nómadas que têm feito um trabalho louvável no que toca a este assunto, mas, infelizmente, encontram-se sozinhas nesta missão humanitária.
A solidariedade deve ser constante e tem que ser parte da nossa índole como seres humanos, não ser usada uma vez e esquecida de uma forma oportunista. Sejamos sempre solidários com os nossos semelhantes, sem interesses escondidos, pois como dizia Kant “as pessoas devem ser vistas como um fim em si mesmas e não como um meio para atingir um fim”.
Devemos seguir as nossas vidas, sim. Não vamos deixar que o Covid-19 nos prenda e limite os nossos sonhos e objetivos (com as devidas precauções sanitárias), mas sem nos esquecermos daqueles que estão ao nosso lado.
Natanael Santos, nascido em Castelo Branco em 1999, vive em Zebreira concelho de Idanha-a-Nova e é estudante de Gestão na ESGIN.