A Imperfeição do Desporto

O episódio que ocorreu na noite dos óscares despertou-nos para a forma como a violência nas suas diferentes formas, ainda é muitas das vezes banalizada. A verdade é que os atos violentos são recorrentes em vários dos momentos de interação que temos como sociedade, o que leva os investigadores a formularem várias teorias que perpassam os domínios da sociologia, antropologia, psicologia e biologia, de forma a tentar explicar este fenómeno.

A prática desportiva é um dos principais meios em que esta problemática é vulgarizada, e por isso, mais difícil de controlar, apesar de toda a visibilidade a que estes incidentes estão sujeitos. É inegável que a violência marca presença assídua nos desportos profissionais, mas a sua ocorrência também tem vindo a aumentar na prática amadora. Assistir a um evento desportivo nos dias de hoje, deveria ser a expressão máxima de felicidade, intensidade e beleza, até porque as infraestruturas estão mais prontas do que nunca para receber o público, quer seja através da melhoria do conforto, da tecnologia, ou mesmo da segurança.

À semelhança do que acontece no desporto sénior, “as bancadas” têm uma grande influência no comportamento dos atletas, mas aqui, acabam por ser os pais o grande obstáculo ao desenvolvimento dos filhos, acabando por afetar o seu futuro, principalmente ao nível comportamental. Em pequenas localidades do Interior, este tipo de ação acaba por ser ainda mais comum, visto que grande parte dos progenitores, acaba por colocar uma grande pressão nos seus descendentes, principalmente devido ao facto de ambicionarem uma carreira desportiva de sucesso, em conformidade à dos seus ídolos, com a consciência de que longe das grandes metrópoles, e por isso também dos principais clubes do nosso país, esta tarefa torna-se ainda mais complicada. Em jogos de futebol é comum ouvirmos gritar: “passa a bola”, “finta”, “faz tu o golo”, “chuta já”, “ele não joga nada”, “não oiças o treinador” …os pais acabam por assumir o papel de treinador, e ao contrário do que pensam, estas frases têm um efeito negativo na performance dos seus filhos, deixando-os confusos e constrangidos, visto que passa a haver duas figuras de autoridade. As razões que levam as crianças a inscrever-se em atividades desportivas estão longe de ser as mesmas que eram indissociáveis há bastantes anos atrás, como por exemplo a procura do fair-play, de novas amizades e de confiança. Existia uma divisória entre tudo aquilo que significava desporto, e a tendência de profissionalização ou de formação de futuros atletas.

Não será esta narrativa do “nascer para ser o melhor”, responsável por transformar o desporto? As práticas antidesportivas para agradar a um treinador ou a um pai, ou sentirmo-nos mais próximos da vitória não devem ser toleradas…até porque sabemos que é muito difícil alguém chegar aos jogos olímpicos ou tornar-se profissional. O bullying é outra forma de violência, e que normalmente ocorre num contexto de balneário, em que a ridicularização da performance, é a forma predominantemente adotada. Poderíamos ainda abordar a questão do assédio, que assume alguma significância em equipas femininas, ou dos inúmeros relatos de atletas, que devido à exigência dos treinos, viram a sua saúde mental ser afetada.

Na literatura, a masculinidade, o público, os fatores socioeconómicos e os media são alguns das causas que aparecem ligados à violência. Esta ideia aceita e valoriza o legado de Marx, que acabou por realizar uma análise correta ao sistema capitalista, que só não é gerador de crises, desigualdades e exploração, mas também de opressão. Uma abordagem mais focada na luta de classes, na perspetiva do autor marxista Ian Taylor, que oferece uma visão macrossociológica relativamente à violência no futebol, estabelece diferentes fases. Primeiramente, analisa-se a emergência histórica do futebol nas comunidades do proletariado e os primeiros efeitos da comercialização do jogo. Esta mesma comercialização, na perspetiva do autor, resultou numa cisão entre as classes já ricas que começaram a controlar os meios do desporto e a lucrar com isso. Entram então as práticas violentas, como invasões de campo e vandalismo que, para o autor, seriam tentativas de lutar por um jogo e uma cultura que ia sendo retirada das “mãos do povo”.

Um estudo mais profundo relativamente a esta temática, e seguindo uma visão Marxista, permitir-nos-ia concluir, que aquilo que liga o espetáculo desportivo ao atual sistema económico, tem essencialmente a ver com os motivos que cada pessoa apresenta para apreciar e participar no desporto. Enquanto para muitos pode constituir uma forma de fugir à rotina, para outros, a participação desportiva deve-se à vontade de sair da pobreza. O lazer relaciona-se então com a natureza humana. O preenchimento do tempo e divertimento, depende do mercado, que se desenvolve e molda consoante o ambiente em que está inserido, transformando a essência desta atividade, em nada mais do que um processo para ampliação de lucros. Esta competição pelo capital, acaba por afetar as relações humanas, em que as competições se sobrepõem a todos os valores que deveriam caraterizar as diversas modalidades desportivas, tornando a interação público-atletas-instituições num vínculo mais material. Hoje, o sentido teológico e a dimensão estética na qual o desporto teria de se inserir, foi substituído pela ideia de ganhar a qualquer custo. Idealmente um jogo bem conseguido, seria aquele em que cada movimento e corpo desportivo, ao ser examinado ao mais ínfimo pormenor, conjugar-se-ia com o desejo de vitória e superação, sem nunca ultrapassar os limites que definem a ética.

Lutar pelo socialismo, é substituir competição por cooperação, e distanciar a atividade física das diversas formas de intolerância, dais quais podemos destacar o racismo, a xenofobia, o machismo e a homofobia.

Outros artigos deste autor >

Pedro Mesquita, tem 22 anos e reside no Fundão.
É estudante de Ciências do Desporto na Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto.
Membro da Comissão Coordenadora Distrital de Castelo Branco do BE e
elemento do Conselho Municipal da Juventude do Fundão.

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