Museus e Cultura: a ligação que falta

Museu do Côa | Foto de Aires Almeida | Flickr
Desde cedo se pode ser formatado pela ideia de que os espaços museológicos são lugares de penumbra e de coisas velhas, onde não se pode falar, onde não se pode tocar, onde não se pode sorrir.
E por ser tão sisuda essa ideia de que um museu é como um cemitério, onde apenas mora o silêncio e as memórias de um tempo passado que se invoca em legitimação de tudo o que já foi, é que a maioria da nossa população provavelmente entende estes espaços como pouco significativos ou de pequena importância.

No fundo, uma grande parcela da nossa sociedade encara um museu como uma coisa pouco interessante mas, enfim, talvez necessária. Pouco interessante, porque a maioria das pessoas nunca lá vai, nem pondera algum dia lá ir; necessária porque apesar de tudo permite alimentar um certo ego do ser-se. Do ser-se de dentro de um grupo, de ser-se igual ou consciente da partilha de certos vectores assumidos como comuns a uma identidade, mesmo que essa identidade não se consiga descodificar nos seus conceitos mais elementares e muito menos explicar-se.

Poderíamos gerar uma interminável discussão sobre as causas que estão na origem do desinteresse social do nosso povo pelos museus, enquanto espaços identitários e de preservação da cultura e da memória das comunidades, mas certamente que esta seria uma daquelas conversas que nos remeteria para um “saco sem fundo”, onde as “doutas” conclusões correriam o risco de ser mais abundantes do que as razões mais mundanas, objectivas e verdadeiramente reais que estão na origem de tal problema.

Eu que tenho por hábito analisar os fenómenos sociais e culturais mais pelo lado empírico do que propriamente pelo lado teórico e/ou retórico, concebo para mim, e apenas baseado na minha experiência, que a causa mor desta questão reside na pátria. Ou seja, reside nessa nativa tendência de considerar a cultura como um atributo de enfeite, como um “snob” floreado que é colocado sempre nas orlas do Orçamento de Estado e dos desinteresses da maior parte das autarquias locais.

Tenho para mim que se a cultura*, – pelo menos ao longo das quatro décadas em que fomos construindo esta nossa sociedade democrática -, tivesse auferido, vá lá, e para ser pródigo no idealismo, de 2,5% do valor total de cada Orçamento de Estado, hoje esta realidade seria completamente diferente e o país também. Teríamos um povo muito mais instruído, mais exigente, mais cívico, mais crítico, mais erudito e, consequentemente, mais visitantes ao nosso património com uma mais perfeita consciência do papel cultural, social e mesmo económico dos museus e de todos os outros espaços similares que representam e respondem pela nossa herança material e imaterial.

Elencada a principal razão deste problema que me parece não ter uma solução no imediato, a curto ou a médio prazo, deve ainda sublinhar-se que a escola, quer a pública, quer a privada, também pouco tem ajudado a modificar, a renovar ou a reabilitar esta ideia antiga e passadista de museu. Para sermos mais objectivos, a escola pouco se interessa por museus e quando algum professor se lembra de visitar algum é muito provável que a iniciativa se transforme numa grandiosa e frustrante seca para os alunos.
E isto porque falta o elementar. E o elementar é a educação sustentada por hábitos culturais que se iniciem logo desde o berço, em casa, e depois se prolonguem pela escola, pelos diversos processos formativos e por toda uma vida inteira.

Na verdade, o que falta é essa atitude rotineira e quotidiana de conceber um museu, ou qualquer outro equipamento cultural, como um espaço de normalidade, um espaço criador e dinamizador de riqueza, um espaço criador de emprego e de oportunidades, um espaço de aprendizagem, de brincadeira, de convívio e de partilha; enfim, um espaço educativo, formador, guardião e gerador de identidade e de orgulho comunitário.

O que falta, a bem dizer, é cultura*, mas é também justo sublinhar que essa falta de cultura não é um problema cuja resolução dependa apenas da alteração do comportamento e da atitude individual de cada um dos cidadãos. No fundo, esta questão resume-se a uma circularidade de causas com origem fundamentalmente política e cuja reincidência gerou um conjunto de nós cegos que agora são difíceis de desatar.

*A palavra cultura não é aqui, e na maior parte do texto, empregue com um significado que envolve o seu mais puro conceito antropológico, sendo maioritariamente empregue para expressar o significado complexo de gestão política, formativa, social e de erudição que a palavra também possui.

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Arqueólogo/Historiador de profissão. Desenvolve a sua atividade no âmbito da investigação, gestão e preservação do Património Cultural. É autor de publicações de divulgação e de publicações com carácter científico. Divulgador. Exerce regularmente, por complemento da sua ação cultural, a atividade da escrita jornalística.

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