A Linha do Douro, o interior e a hipocrisia dos decisores

Foto por Nelso Silva
Foi recentemente apresentada no Museu do Douro uma petição pública que reivindica a necessidade de abrir o debate sobre a urgência de investimento para reativação e requalificação da Linha do Douro até Barca d’Alva e Espanha. Os promotores foram a Liga dos Amigos do Douro Património Mundial e a Fundação Museu do Douro. É bem-vinda a iniciativa!

Esta luta não é nova e o erro político de não considerar o transporte ferroviário como determinante ou fundamental para uma mobilidade sustentável e para as necessidades económicas do mundo atual, tem vindo desde há muito tempo a ser denunciado pelo BE.

Eu próprio tomei o tema em mãos no último “Encontro do Interior”, realizado em 26 de janeiro deste ano na vila de Alijó, ao denunciar e ao criticar o desprezo político do atual Governo por não contemplar a recuperação e modernização da Linha do Douro no Programa Nacional de Investimentos (PNI) para a década 20-30. Na verdade – há que dizê-lo sem qualquer tipo de restrições

Ao ser assim apresentado, com uma orientação que concentra os principais investimentos nos grandes centros urbanos ou no seu entorno, o PNI revela-se ofensivo para o interior, mostrando o quanto de hipócrita contêm as intervenções públicas de quem se diz preocupado com os problemas dos territórios de “baixa densidade”.

O Programa Nacional de Investimentos apresentado pelo Governo de António Costa poderá ser considerado como um atestado de óbito final para todos os que continuam a resistir nesta faixa de abandono do território português; representa mais uma década perdida por não se prever qualquer investimento estrutural em territórios que se encontram num alucinante processo de despovoamento.

Nós, os que vivemos em Trás-os-Montes e Alto Douro, não podemos tolerar porque não contemplou esse Plano a tão premente e necessária solução de investimento para a requalificação da Linha do Douro. Todos estão de acordo que a Linha do Douro, com a respetiva ligação a Espanha, poderia constituir uma solução estruturante de crucial importância para animar a economia do eixo regional que acompanha este curso fluvial.

Este governo sabe que a centenária via férrea é encarada nos dias de hoje pela União Europeia (EU) como uma das soluções ferroviárias com elevado potencial no espaço europeu. Foi a própria EU, a tal entidade de onde vão chegando os fundos financeiros para os projetos estruturantes fomentados no litoral, que sublinhou o potencial económico e desenvolvimentista da ferrovia do Douro, nomeadamente se for viabilizado o traçado até Barca d’Alva (Portugal) e Fregeneda – Salamanca (Espanha), com um custo de requalificação estimado de 578 milhões de euros.

A Linha do Douro e uma linha fronteiriça franco-alemã foram as duas ligações escolhidas e classificadas como de maior potencial económico em toda a Europa por uma iniciativa da Comissão Europeia realizada a 9 de outubro do ano passado, durante a Semana das Cidades e das Regiões que ocorreu em Bruxelas.

O governo de António Costa sabe disto, mas também sabe que existe um estudo datado de 2016, realizado pela Infraestruturas de Portugal (IP) através da sua Direção de Planeamento Rodoferroviário, onde é exposto com toda a clareza essa mesma viabilidade e esse mesmo potencial, caso a via fosse requalificada num projeto comum com a vizinha Espanha. O posicionamento geográfico desta linha férrea confere-lhe um interesse estratégico fora do comum, na medida em que, e cito o mencionado estudo da IP,

Por sua vez, e atendendo ao desenvolvimento do setor turístico da região vinhateira, a sua requalificação permitiria enquadrar a região do Douro interior, e por consequência todo o “Douro Transmontano” e parte do território da Beira Alta, entre dois importantes polos geradores de tráfego como o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, o terminal de passageiros do Porto de Leixões e a estação do comboio de Alta Velocidade em Salamanca.

Com a requalificação da Linha do Douro e a respetiva ligação a Espanha, seria potenciado ao máximo um eixo turístico de excelência, um eixo turístico que centrado num troço de caminho-de-ferro geraria a possibilidade de poderem ser visitados quatro destinos classificados pela Unesco como Património da Humanidade: a cidade do Porto, a Paisagem Evolutiva e Viva do Douro Vinhateiro, as Gravuras Rupestres do Vale do Côa e a cidade de Salamanca.

O Governo sabe de tudo isto, mas quando apresentou o Programa Nacional de Investimentos para a década 20-30, o projeto de requalificação da Linha do Douro até à fronteira com Espanha ficou esquecido, apesar de há muito ser reivindicado pelas populações locais, e mesmo depois desta infraestrutura ser considerada como um dos itinerários ferroviários mais promissores no espaço europeu e um dos projetos com maiores potencialidades para alavancar um novo processo de desenvolvimento local e regional.

O aparecimento desta petição pública é por isso uma oportunidade para relembrarmos a António Costa que nós aqui pelo Douro ainda existimos e somos capazes de resistir. É uma oportunidade para abrir o debate na Assembleia da República; é uma oportunidade para mostrarmos e dizermos aos decisores, sejam eles quem forem no futuro, que lutaremos, que haveremos de resistir. Que venceremos! Mas no imediato só se exige aos durienses, aos transmontanos, ao beirões, e a todos os que com eles queiram ser solidários, um gesto simples. O gesto simples de assinar esta petição!

Outros artigos deste autor >

Arqueólogo/Historiador de profissão. Desenvolve a sua atividade no âmbito da investigação, gestão e preservação do Património Cultural. É autor de publicações de divulgação e de publicações com carácter científico. Divulgador. Exerce regularmente, por complemento da sua ação cultural, a atividade da escrita jornalística.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts
Workers of the world unite!
Ler Mais

Sindicalismo, sempre

Há 172 anos, ecoava (“manifestava-se”) pelo mundo este grito de protesto. E de proposta. Vem aqui a propósito…
Escola
Ler Mais

Ovelha ronhosa

Foto por Taylor Wilcox on UnsplashA autarquia de Viseu tem alimentado, ano após ano, o paradigma que assola…
Skip to content