Abril em Maio

“O 25 de abril é a máquina constituinte que tem no 1º de maio o seu motor.”
Capa do LP de José Afonso, "Cantigas do Maio", 1971
Capa do LP de José Afonso, “Cantigas do Maio”, 1971

Se considerarmos, como à direita, que é no arco temporal que começa no 25 de abril e culmina no 25 de novembro que podemos encontrar a consolidação do regime pós-fascista, isso não significa propriamente uma vitória abstrata da democracia sobre “o totalitarismo” como querem fazer passar os paladinos do liberalismo e da reação, mas o esvaziamento da vitalidade do processo revolucionário em torno das instituições e respetivas classes (nesse processo de recomposição da burguesia) que passarão a governar o país depois de 1974-75. Por outro lado, o afunilamento da diferença da expressão popular e institucional entre a celebração do 25 de abril e a comemoração do 1º de maio, com o segundo a ter cada vez menos adesão em relação à primeira data, isso como que assinala não apenas todo um percurso de enfraquecimento da “causa laboral” e sua centralidade política, bem como, por consequência, uma certa incapacidade de fazer compreender que o 25 de abril é uma expressão das lutas históricas associadas ao 1º maio. Quer dizer, o 25 de abril como símbolo da vitória sobre o fascismo e afirmação da liberdade é o resultado da luta de classes que tem na classe trabalhadora o seu protagonista. E se a direita reivindica a unidade temporal entre o 25 de abril e o 25 de novembro para glorificar os poderes então consolidados, a esquerda deve ripostar com a unidade de sentido entre o 25 de abril e o 1º de maio. O 25 de abril é a máquina constituinte que tem no 1.º de maio o seu motor.

Se o 25 de abril é a constituição histórica da liberdade – e que produzirá no seu contraditório processo constituinte o seu respetivo “texto fundador” –, o 1º de maio, como data que representa a afirmação da classe trabalhadora, é a força constituinte sem a qual essa liberdade (desdobrada em conjunto de liberdades e direitos conquistados) não seria possível. Se em termos vagamente platónicos o 25 de abril é a forma-política, o 1º de maio é a matéria viva, a sua imanência. Se o 25 de abril representa a contradição popular com os poderes instituídos – mais além do regime fascista que derrubou –, o 1º de maio consubstancia essa mesma contradição em termos de classe e, claro, de estrutura económica. E a revolução define-se por essa duração histórica onde tudo o que é politicamente decisivo acontece nas ruas, na visibilidade do espaço público, ao invés de na obscuridade dos palácios. E tudo o que há de politicamente vivo no tempo histórico aberto pelo 25 de abril, pelo processo revolucionário a que deu azo, não pode ser dissociado das lutas laborais de ontem, de hoje e de amanhã.

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Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.

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