A direita e a guerra cultural

Em artigo no mediático Observador, o filósofo Alexandre Franco de Sá, não destoa da linha editorial aí seguida, antes a confirma vigorosamente. O propósito do seu texto é definir aqueles que, no seu entender, são os desafios que à direita cabe nestes tempos de “hegemonia cultural de uma esquerda que, indisputada no espaço público, dociliza há décadas a sociedade”. Nada a apontar sobre a participação de cada qual nos debates internos da esquerda ou da direita, afinal, cada um escolhe as águas por onde se quer mover. O caso em questão é que os desafios que Alexandre Franco de Sá lança ao movimento recém-criado pela Direita 5.7, têm em vista contrariar, no entender do autor, a dita “hegemonia cultural de esquerda”; não sendo possível dissociar os seus “desafios” para o seu campo ideológico, do combate a uma suposta hegemonia cultural de esquerda que o autor acusa.

A rampa de lançamento é de antologia, um excerto de um livro de Jaime Nogueira Pinto. Neste pequeno excerto do romance Novembro fala-se de amizade, de heterodoxia e de liberdade. Tudo aquilo que ambos os autores pretendem recusar à esquerda, melhor, à “extrema-esquerda”, como se fossem valores que não figurassem no seu panteão. Afinal, “entre o amigo e a ortodoxia escolhem a ortodoxia”. E, no que respeita à liberdade, não são tão capazes de conservar “um certo espírito crítico, uma certa liberdade”. Os homens e as mulheres da extrema-esquerda “são como nós”, mas, vá lá, nós, de direita, somos mais amigos, heterodoxos e críticos – assim se resumiria este singular e romanceado diálogo para consumo caseiro.

Poderíamos desmontar isoladamente cada uma destas ideias atestando o que têm de preconceituoso e moralista, de estereotipado e ortodoxo, mas, desta forma, perderíamos o foco do que está realmente em questão: o combate cultural, a luta política pela hegemonia do espaço público.

A direita que hoje enfrentamos, essa que procura agora reconstruir o seu lugar na cena política portuguesa – à imagem dos heróis de Trump, Bolsonaro e quejandos -, é aquela que usa o fantasma da “extrema-esquerda” e da sua hegemonia (esse boneco de palha), o seu anticomunismo e anti-socialismo primários, para denunciar os mais diversos e distintos avanços sociais em matérias como as relacionadas com o mundo do trabalho, com os direitos das mulheres, com a proteção social dos economicamente mais vulneráveis, com a ampliação e aprofundamento de toda a espécie de direitos civis…
Preparem-se meus amigos, espíritos livres mobilizados e unidos pela causa da igualdade. O combate à homofobia será rotulado como doutrinação de género. O ativismo contra o discurso do ódio será representado como uma agenda da vanguarda avançada do politicamente correto. As reivindicações contra as desigualdades estruturais entre os homens e a mulheres serão identificadas como o perverso resultado do fanatismo de grupúsculos de feministas e outros lambedores. As intermináveis e luminosas discussões em torno do acolhimento e respeito pelo Outro como um processo político de “uniformização mental”. Tudo, enfim, que possa recair sobre os avanços sociais já alcançados, sobre as causas progressistas e os movimentos sociais que gravitam em torno destas causas, a direita procurará atribuir a sua “paternidade” à “extrema-esquerda” e ao seu domínio sobre a “hegemonia”, ainda que a hegemonia vigente seja a do capitalismo e da globalização neoliberal. Ainda que tudo não passe de fake news articuladas, contorcidas ideologicamente, para descredibilizar culturalmente as lutas dos mais diversos sectores sociais em nome da igualdade e do progresso.

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Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.

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