Não é apenas – e como se tal não bastasse… — por constituírem crime que as expressões verbais de racismo não podem ser consideradas opiniões, é também por serem formas locutórias intrinsecamente violentas, que visam excluir ou, pelo menos, menorizar outros agentes da esfera pública e sujeitos da sociedade.
As “opiniões racistas” movem-se sempre nas margens dos seus efeitos prelocutórios. Por alguma razão a separação entre a defesa de ideias racistas “em tese” e a verbalização de preconceitos raciais é normalmente tão clara. A veiculação de expressões racistas é o contrário da constituição de uma esfera pública que depende da igualdade entre os seus interlocutores. E o presidente da assembleia república, Aguiar-Branco, ao defender uma espécie de conceção irrestrita de liberdade de expressão dentro daquela que é considerada como a “casa da democracia” transforma-a numa “bolha” asséptica onde virtualmente todas as opiniões podem ser expressas sem qualquer freio – não sendo, talvez, o que resulta da intervenção moderadora do presidente da mesma…
Ora, esta conceção idealista do exercício da liberdade, no caso da liberdade de expressão, só pode ser perseguida à custa de encerrar ou apartar a liberdade retórica no parlamento do resto da sociedade. Para além de que o preço para a liberdade de expressão do ódio racial é pago não apenas com a vida dos racializados, bem como pela defesa jurídica e judicial daqueles que se escudam na liberdade de expressão para exprimirem a desumanização dos outros.
A verdade é que o conceito de liberdade de expressão só ganha sentido na sua confrontação com instituições que a procuram limitar. A liberdade de expressão é imanente à capacidade ou competência do animal humano para dizer coisas e essa capacidade precede qualquer poder que a procure limitar. Neste sentido preciso a discussão sobre “os limites da liberdade de expressão” é na verdade uma discussão sobre os limites da capacidade de uns influenciarem a liberdade de expressão de outros. E defender, em nome de uma conceção vaga e etérea de liberdade, a liberdade de proferir juízos racistas acaba por redundar não numa defesa aparentemente democrática e incondicional da “liberdade da opinião” mas na normalização do racismo a tout court.
Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.