O Governo elaborou um Plano Ferroviário na proposta de Orçamento de Estado para 2021, com um objectivo ambicioso: ligar todas as capitais de distrito. Um objectivo não só lúcido, como exequível, e justo. Três capitais de distrito não têm serviço ferroviário: Viseu – perdeu as Linhas do Vouga e do Dão em 1990; Bragança – perdeu a do Tua em 1991/92; e Vila Real – perdeu a do Corgo em 2009.
De Viseu à Linha da Beira Alta em Mangualde vão uns meros 10 km. Se é discutível reabrir a Linha do Dão ou a do Vouga, já se torna mais difícil compreender porque uma concordância em Mangualde para servir Viseu ainda não foi construída. Veja-se o caso do serviço ferroviário de Saragoça a Canfranc, que liga Huesca através de uma concordância de 6 km.
Já Vila Real, elaborei um estudo de reabertura, disponível no YouTube, ao qual nem a autarquia nem a CIM Douro se têm mostrado interessados, que aponta um custo de reabertura de 11 milhões de euros; apenas 1,6 milhões a serem suportados pelo Estado. A autarquia vai investir um milhão na enésima ponte pedonal da cidade, portanto é um investimento que até uma câmara municipal conseguiria suportar. São 25 km até à Régua e suas interfaces ferroviária e fluvial, num tempo de viagem igual ao da rodovia, só que mais próximo, barato, e sustentável.
Bragança é a que maior investimento requer. O canal da Linha do Tua permanece lá – alvo de uma tentativa, felizmente frustrada, de transformação numa ecopista de 80 km até Mirandela. Mas este não é o trajecto dos fraguedos do Baixo Tua: a correcção do traçado é aqui fácil de efectuar, e até a reconexão com a Linha do Douro na foz do Tua é possível através de um novo canal de 16 km a partir de São Lourenço, e uma descida ou em zigue-zague – como a ferrovia peruana do Nariz del Diablo – ou em sucessivos cotovelos – como a ligação italo-helvética de Tirano a Saint Moritz – até à estação do Tua.
Tem ainda a proximidade da linha de Alta Velocidade Madrid – Corunha, com o seu aeródromo de permeio. Uma nova via por Montesinho e entrando no canal da linha convencional em Pedralba de la Pradería até à Sanábria poria um passageiro – e mercadorias – em Bragança em meia hora – em Madrid em menos de duas horas, o mesmo tempo de viagem até ao Porto. A intenção avançada pelo Primeiro-Ministro de construir uma ligação rodoviária de Bragança à fronteira não chega: não se sabe quando essa estrada avançará, nem está garantida a sua extensão do lado espanhol – e lembrando o atraso de décadas do prolongamento do IP4/A4 até à Autovia de la Plata, não auspicia muito de bom.
Que fique bem claro: as verbas existem, e tanto a coesão territorial como a mobilidade sustentável defendem de forma categórica a reconexão histórica destas cidades à rede ferroviária nacional. Resta que as autoridades políticas locais tenham lucidez e coragem para o reivindicar, sem pequenez ou megalomanias, e que o Poder Central aja de forma coordenada e decisiva. Enquanto cidadão trasmontano, não espero menos que isso.
Não escrevo segundo as normas do Novo Acordo Ortográfico.
Trasmontano, natural de Vinhais (nascido no Rio de Janeiro) em 1984. Frequentou dos 10 aos 14 anos o Colégio Salesiano de Poiares da Régua, onde viajou frequentemente na Linha do Tua, nascendo aí o seu interesse pela sua salvaguarda. Licenciado em Gestão pelo ISCTE (2002-2007), e com pós-graduação em Turismo pela ESHTE (2008-2010).
Fundou o Movimento Cívico pela Linha do Tua em 2006, estando sempre na linha da frente da luta contra a barragem do Tua, escrevendo vários comunicados e artigos de opinião, entre participações em debates. Em Dezembro de 2010 fundou o Movimento Cívico pela Linha do Corgo, com menos actividade que no MCLT. Deixou ambos os movimentos em meados de 2015, mas nunca se afastando da divulgação e defesa destas vias-férreas, a par da da Linha do Sabor, sobre a qual criou um estudo de reabertura, publicado no livro "A Linha do Vale do Sabor - Um Caminho-de-Ferro Raiano do Pocinho a Zamora".
Foi Assessor de Gestão no Metro de Mirandela entre 2009 e 2012, promovendo algumas mudanças, mas sendo sempre boicotado em vários esforços pela Administração.
Em 2010 ficou em 3º lugar no concurso nacional de empreendedorismo "Realiza o teu Sonho", da Acredita Portugal, com um projecto de Turismo Ferroviário na Linha do Tua. A CP nunca quis reunir para conhecer o projecto.
Tem publicado no seu canal no YouTube alguns estudos de reabertura de troços ferroviários, nomeadamente da Linha do Corgo entre a Régua e Vila Real.