Tempos houve em que conseguia desfrutar de um dia de praia. Já dizia Fernando Pessoa que “Cansa sentir quando se pensa”, e analisar uma experiência de praia atualmente causa inevitavelmente inquietação.
A associação ambientalista ZERO, divulgou recentemente que as praias portuguesas registaram uma diminuição da sua qualidade comparativamente a 2020. Durante este ano 20 praias estiveram interditas e 45 com banho desaconselhado ou proibido.
A avaliação, feita através dos resultados oficiais do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos, revelou que ao todo mais 20 praias apresentaram problemas de contaminação das águas, todas elas no interior do país.
Mesmo em praias fluviais, que são as que temos no interior, recorrentemente reconhecidas pela sua qualidade, não é raro detetar óleo nas águas ou espuma nas margens, por exemplo.
Além disso, se tivermos em conta que é a estas águas que vêm desaguar, de forma direta ou indireta, pequenos rios e ribeiras para onde são tantas vezes feitas descargas poluentes, o sentimento de segurança é ainda menor.
E continuado nas praias fluviais, um dos seus atrativos é muitas vezes a paisagem verde e a sombra natural. Mas quando essa paisagem se transforma num aglomerado caótico de monocultura de eucalipto em regeneração espontânea? E quando essa sombra também é assegurada por espécies invasoras?
Mas já agora uma pequena nota: também nas praias costeiras a paisagem muda de forma assustadora de ano para ano, com dunas a desaparecer nuns sítios, areais a crescer sem fim noutros e lixo já histórico a ocupar o lugar da biodiversidade do ecossistema dunar.
Há ainda um outro aspeto na origem da minha inquietação: o próprio período do ano propício à praia é cada vez mais extenso. Já são vários os anos em que temperaturas de verão se prolongam até outubro, numa cada vez mais óbvia redução de estações. A transição cíclica entre primavera, verão, outono, inverno, dá lugar a duas estações, uma cada vez mais quente e outra cada vez mais tempestuosa.
As alterações climáticas estão sobre nós, as mudanças das estações são sintoma. Mas as alterações dos recursos hídricos e da paisagem são parte da causa, levadas a cabo de forma tão dirigida que se diria intencional, não fosse ela inconsciente, irresponsável e inconsequente.
Esta semana Mike Meredith, líder científico do British Antarctic Survey e principal autor do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, alertou para que a crise global da água se irá intensificar com o colapso do clima. Acrescentando que “já existem fortes evidências de que estamos a assistir a essas mudanças. Em algumas regiões secas, as secas tornar-se-ão piores e durarão mais. Esses riscos são agravados por consequências indiretas, como maior risco de incêndios florestais, como já estamos a ver”.
Mas apenas com um pouco de atenção, sem precisar que ninguém o diga, ou sequer que a ciência o comprove, vemos, nas atividades comuns da nossa vida, como uma ida à praia, que o problema está aqui, que o vaticinado está a acontecer e que, se nada for feito, o Apocalipse será real.
Estamos a viver uma crise global provocada por um vírus, pois, se nada for feito, a crise climática terá consequências ainda mais profundas nas vidas de todo o planeta, se nada for feito… Mas o que é preciso fazer vai bem além de alterações de comportamentos individuais, do champô que uso e do carro que conduzo: a exigência de ação deve ser dirigida para quem governa, para que as políticas que estruturam as nossas sociedades sejam uma resposta séria à emergência climática.
Ativista. Formada em Antropologia. Deputada na Assembleia Municipal de Viseu pelo Bloco de Esquerda.