A capital honorária de Trás-os-Montes é atravessada de Norte para Sul pelo pequeno mas intempestivo rio Corgo. A transpô-lo, a urbe conta com cinco travessias rodoviárias, e uma dezena de pontes pedonais, cinco das quais só no Parque Corgo, a maior parte delas integradas num extenso percurso pedonal. Menção ainda para a mais alta ponte de Portugal logo à saída da cidade, na A4. Portanto, a uma cidade que já tem quinze pontes, a resposta óbvia à pergunta “Do que é que a cidade mais precisa?” é “Mais pontes!”.
Depois vem a localização da mesma, naquele que é o troço mais cénico do Corgo na cidade, para ligar dois miradouros que permitem apreciar as suas escarpas e rápidos. Ora, o que fazia falta numa paisagem naturalmente bela, com dois miradouros? Uma ponte de betão com um vão de 300 metros.
Agora, questões de índole financeira e estratégica. Tenho debatido nas redes sociais, órgãos de comunicação social, e em reuniões com vereadores da Câmara Municipal de Vila Real, um estudo de reabertura da Linha do Corgo, via-férrea que liga Vila Real ao Peso da Régua e à rede ferroviária nacional, encerrada em 2009 num processo fraudulento e sem explicações à população local. Nesse estudo cheguei à conclusão que a reabertura de 28 km desta linha, da Régua ao limite urbano de Vila Real em Abambres-Gare, custará cerca de onze milhões de euros.
A sua repartição em 85% financiados por fundos comunitários e 15% pelos promotores nacionais, resulta em que estes últimos suportariam apenas 1,6 milhões de euros. Considerando as três autarquias servidas por este troço, cada uma teria de investir cerca de 530 mil euros – mais 200 mil euros, contando com a compra de material circulante. Se o Governo Central participasse no bolo, já que foi também o responsável pelo encerramento, menos ainda (ou nada) caberia às autarquias investir.
Ora numa reunião na autarquia vila-realense, foi-me afirmado que a reabertura da Linha do Corgo não é defendida pela mesma porque o Governo Central não o faz, pelo que seria, e cito, “suicídio político”. A carreira política do senhor Presidente da Câmara e demais equipa é de facto algo que tira o sono a qualquer munícipe, mas devo concluir que uma autarquia que se predispõe a investir 1 milhão de euros na enésima ponte da cidade, localizada num ponto onde o vale atinge a largura mais extensa – o triplo do que a poucas centenas de metros a montante, na vizinhança da qual já existe uma ponte rodoviária à mesma cota – que não promove sequer a discussão da reabertura da Linha do Corgo (ao contrário dos vários protestos já lavrados contra atropelos da concessionária da A24), a qual custar-lhe-ia menos 300 mil euros do que esta ponte e estaria a promover mais ainda a mobilidade sustentável, ultrapassa de facto qualquer noção de bom senso.
Este tipo de questões não pode continuar a ser apenas matéria de indignação ou curiosidade à mesa do café ou nos jornais e rádios locais. Também não é atractivo tentar participar numa reunião da Assembleia Municipal para ter a palavra só no final, a altas horas da noite, e sem garantia da intervenção ter mais atenção do que ficar apenas lavrada em acta. Visto que tentar ao longo de anos chegar à fala com o autarca e participar em reuniões inócuas com os vereadores também é gastar boa cera com ruins defuntos, continua em cima da mesa o facto: está-se a promover uma obra absurdamente cara, desnecessária, e cujo retorno para a população e empresas será fraquíssimo, tendo à nossa frente muitos meses de recuperação económica urgente num contexto de grandes desafios.
Transporte ferroviário de mercadorias, passageiros e Turismo mais barato, versus uma ponte em nome do pedestrianismo numa cidade com belíssimos percursos pedonais já disponíveis mais cara. Há dilemas piores na vida.
Não escrevo segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico.
Trasmontano, natural de Vinhais (nascido no Rio de Janeiro) em 1984. Frequentou dos 10 aos 14 anos o Colégio Salesiano de Poiares da Régua, onde viajou frequentemente na Linha do Tua, nascendo aí o seu interesse pela sua salvaguarda. Licenciado em Gestão pelo ISCTE (2002-2007), e com pós-graduação em Turismo pela ESHTE (2008-2010).
Fundou o Movimento Cívico pela Linha do Tua em 2006, estando sempre na linha da frente da luta contra a barragem do Tua, escrevendo vários comunicados e artigos de opinião, entre participações em debates. Em Dezembro de 2010 fundou o Movimento Cívico pela Linha do Corgo, com menos actividade que no MCLT. Deixou ambos os movimentos em meados de 2015, mas nunca se afastando da divulgação e defesa destas vias-férreas, a par da da Linha do Sabor, sobre a qual criou um estudo de reabertura, publicado no livro "A Linha do Vale do Sabor - Um Caminho-de-Ferro Raiano do Pocinho a Zamora".
Foi Assessor de Gestão no Metro de Mirandela entre 2009 e 2012, promovendo algumas mudanças, mas sendo sempre boicotado em vários esforços pela Administração.
Em 2010 ficou em 3º lugar no concurso nacional de empreendedorismo "Realiza o teu Sonho", da Acredita Portugal, com um projecto de Turismo Ferroviário na Linha do Tua. A CP nunca quis reunir para conhecer o projecto.
Tem publicado no seu canal no YouTube alguns estudos de reabertura de troços ferroviários, nomeadamente da Linha do Corgo entre a Régua e Vila Real.