Causou-me forte impressão o volume de comentários a defender o regresso do comboio a Macedo de Cavaleiros, Trás-os-Montes, num post desta autarquia nas redes sociais. Nele, o edil dá conta de um investimento de mais de 500 mil euros na “valorização turística” do troço da Linha do Tua inserido no concelho. Só que a valorização pretendida nada mais é do que a construção de mais uma ecopista em leito ferroviário, uma praga lançada em finais da década de 1990, e que começa finalmente a dar mostras de evidente desgaste na opinião pública.
A premissa única deste dogma é a de aproveitar património desafectado da exploração ferroviária – o que em muitos casos é um eufemismo para “completamente abandonado”. Um argumento fragilíssimo, sobretudo quando nenhuma destas ecopistas foi precedida de um estudo de viabilidade da reabertura à exploração ferroviária, por puro e simples preconceito e laxismo político. Nos casos do Sabor e Corgo, eu próprio já apresentei estudos de viabilidade, ostensivamente ignorados pelos autarcas locais. Problema desta abordagem: estamos a ser escravos da mediocridade de quem nos governa.
Várias destas ecopistas mais não são que o canal ferroviário em terra batida, com praticamente nenhuma das inúmeras estações, armazéns, dormitórios ou casas de guarda a serem intervencionados. O custo é outro testemunho à ligeireza da obra: só em duas congéneres da Linha do Tua, atingiu-se aquele que é o rácio mais caro de que tenho conhecimento, com os 167 mil euros por km no Tâmega (feita no período de vigência da Troika), e a de terra batida mais cara, com os 125 mil euros por km no Sabor. Reabrir troços desta natureza pode oscilar entre os 400 e os 500 mil euros por km – ou seja, a cada 3 ou 4 km destas ecopistas, gasta-se o equivalente a reabrir 1 km de via férrea!
Segue-se a mais valia da obra: virtualmente zero. Estamos a falar de um território com taxas de envelhecimento galopantes por um lado, e centenas de quilómetros de caminhos agrícolas e outros trilhos caminháveis/cicláveis por outro. Também não estamos a falar de um Caminho de Santiago, que atraia por si só visitantes, os quais aliás deixam na sua passagem receitas residuais, como bem atestam detentores de pequenos negócios noutras ecopistas similares.
Estas vias foram asfixiadas até à morte de forma intencional, empurrando passageiros e mercadorias para a rodovia, graças a horários que não serviam ninguém e tempos de viagem cada vez maiores. O que obviamente não determina que hoje o caminho de ferro não faça falta nestes territórios, e que não haja procura – e fontes de receita para a concessionária e o próprio Estado – que justifiquem o seu regresso. É aliás uma notória contradição que o autarca de Macedo de Cavaleiros tenha defendido a reposição do serviço ferroviário no eixo Mirandela – Macedo – Bragança, e ao mesmo tempo promova a ocupação do canal ferroviário desse mesmo eixo por uma ecopista. Incongruências que custam muito caro ao desenvolvimento do território e bem-estar da população.
A poupança anual para um munícipe macedense que se deslocasse de comboio diariamente para Mirandela ou Bragança em relação a viagens de automóvel pode ultrapassar os 500 euros. O traçado da Linha do Tua discorre numa zona sem acidentes naturais que tornem onerosa ou mesmo impraticável a correcção do seu traçado, de modo a oferecer tempos de viagem competitivos com os da rodovia. De notar que a distância de Macedo a Mirandela é aliás igual seja pela A4, pelas estradas nacionais, ou pelo canal actual da Linha do Tua. Custo da reabertura de Carvalhais a Macedo? A 500 mil euros por km daria 13 Milhões de euros, dos quais o Estado pagaria uns inexpressivos 1,95, para ligar de novo as duas cidades, com o meio de transporte terrestre mais eficiente e ecológico de todos.
Até quando o futuro da região vai ficar apeado devido ao imediatismo e pequenez de alguns autarcas? Pelos vistos muitos macedenses já não estão dispostos a isso. Faço minha a voz deles, e a de tantos outros trasmontanos antes deles: Queremos o comboio, somos Portugueses!
Não escrevo segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico.
Trasmontano, natural de Vinhais (nascido no Rio de Janeiro) em 1984. Frequentou dos 10 aos 14 anos o Colégio Salesiano de Poiares da Régua, onde viajou frequentemente na Linha do Tua, nascendo aí o seu interesse pela sua salvaguarda. Licenciado em Gestão pelo ISCTE (2002-2007), e com pós-graduação em Turismo pela ESHTE (2008-2010).
Fundou o Movimento Cívico pela Linha do Tua em 2006, estando sempre na linha da frente da luta contra a barragem do Tua, escrevendo vários comunicados e artigos de opinião, entre participações em debates. Em Dezembro de 2010 fundou o Movimento Cívico pela Linha do Corgo, com menos actividade que no MCLT. Deixou ambos os movimentos em meados de 2015, mas nunca se afastando da divulgação e defesa destas vias-férreas, a par da da Linha do Sabor, sobre a qual criou um estudo de reabertura, publicado no livro "A Linha do Vale do Sabor - Um Caminho-de-Ferro Raiano do Pocinho a Zamora".
Foi Assessor de Gestão no Metro de Mirandela entre 2009 e 2012, promovendo algumas mudanças, mas sendo sempre boicotado em vários esforços pela Administração.
Em 2010 ficou em 3º lugar no concurso nacional de empreendedorismo "Realiza o teu Sonho", da Acredita Portugal, com um projecto de Turismo Ferroviário na Linha do Tua. A CP nunca quis reunir para conhecer o projecto.
Tem publicado no seu canal no YouTube alguns estudos de reabertura de troços ferroviários, nomeadamente da Linha do Corgo entre a Régua e Vila Real.