Fonte inesgotável de conhecimento e prazer, poderosa ferramenta de influência e transformação política, a leitura e a liberdade intelectual chegam até a ser censuradas por regimes repressivos, ditatoriais e totalitaristas, levando a que a informação, o espírito crítico sejam negados a grande parte das pessoas.
Em pleno século XXI, assistimos cada vez mais a discursos de ódio, à propagação do medo e de conteúdos de desinformativos quanto a questões de género e sexualidade. Na Europa, EUA, Brasil e um pouco por todo o mundo, assiste-se à criação de campanhas de proibição de livros de temática LGBTQIA+. Com base em justificações de “promoção da homossexualidade” ou da “propaganda da ideologia de género”, grupos ideológicos conservadores mostram atentar a autodeterminação, a liberdade de expressão, a autodescoberta e visibilidade das experiências de pessoas LGBTQIA+.
Recordando a célebre frase de Oscar Wilde, preso numa altura em que a homossexualidade era considerada como vício e decadência, diria: “Não existem livros morais ou imorais. Os livros ou são bem escritos ou não.”
Reconhecendo a importância da leitura e da educação para as temáticas de igualdade e não discriminação, pretendemos conhecer as estantes Queer e Feministas de algumas personalidades portuguesas. De forma a partilhar novos mundos que os livros encerram, questionamos:
- Qual o livro que mais a marcou/influenciou pessoal e profissionalmente?
Em termos de leituras pessoais, um dos livros que li ultimamente, e que mais gostei, ainda que o livro não seja recente, foi: No meu peito não cabem pássaros, de Nuno Camarneiro. Profissionalmente, como estou a tirar Doutoramento em Estudos de Género, leio muitas obras relacionadas com este tema. A última que li, e que recomendo vivamente, é de uma escritora/investigadora brasileira: Valeska Zanello. A prateleira do amor: mulheres, homens e relações. Simplesmente fantástico. Ajuda a compreender a razão pela qual a inferioridade das mulheres é estrutural, bem como o motivo pelo que as mulheres aprendem a ver-se pelos olhos dos homens e a valorizarem-se de acordo com esse olhar.
- Algum autor/a com que se identifica mais e que segue há mais tempo?
Em primeiro lugar, escritoras/es portuguesas/es: Adoro Isabela Figueiredo. O primeiro livro que li dela foi: Um cão no meio do caminho, e nessa noite não dormi. Comecei o livro depois de jantar, e fiquei acordada até o devorar. Gostei tanto que, decidi ler mais da autora. Fiz o processo ao contrário. Comecei pelo último livro que tinha publicado, depois li o penúltimo, A gorda, segui com o Caderno de Memórias Coloniais, e, agora, já tenho na mesa de cabeceira, Conto é como quem diz, que é o primeiro de todos que escreveu.
Numa entrevista, a autora explicou que “os assuntos que trata partem da sua fenda aberta e que se enfia nos seus livros”. Talvez seja essa a razão pela qual me agarra tanto!
Quanto a escritores estrangeiros, um livro que me fascinou foi: O barulho das coisas ao cair, de Juan Gabriel Vásquez. Para mim, um dos melhores escritores atuais da América Latina. Um grande escritor e um grande livro.
- Qual a leitura que acompanha e recomendaria aos nossos leitores?
Gostava de recomendar uma obra muito interessante que ando a ler. Recomendo-a, porque explica a importância de se discutir socialmente, repensar e reconstruir a masculinidade. Chama-se: A Revolução do homem. Repensar a masculinidade para o século XXI, de Phil Barker. Alerta para os problemas da masculinidade tóxica e ajuda os homens a ousarem uma forma de vida mais livre, pois, de acordo com o autor, e, eu, subscrevo, dela depende a sua felicidade e a dos que os rodeiam.
Cidália de Vargas Pecegueiro, alentejana de nascimento, pertence à primeira geração de mulheres que beneficiou das liberdades e direitos alcançados com a Revolução de 1974. Foi graças a esses direitos que pôde abandonar a sua terra natal, rumando à capital para ingressar na faculdade, bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian, onde frequentou o Curso Superior de Comunicação Social, do Instituto Superior de Ciências Sociais, criado havia pouco tempo. Já licenciada, emigrou para Espanha, onde trabalhou como jornalista quer na imprensa quer na televisão. Mestre em Sociologia, frequenta o Doutoramento em Estudos de Género, no Centro Interdisciplinar de Estudos de Género, do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa. A investigação é a sua paixão, versando alguns dos trabalhos publicados áreas tão díspares como cultura, violência doméstica, suicídio, relações de intimidade, entre outros.
Artigo publicado em Leituras Queer
“Queer” = bizarro, excêntrico, estranho, não conforme. O termo serviu por mais de um século para associar a homossexualidade a doença, crime, pecado e exclusão social. Hoje, o conceito é usado como designação e/ou identificação da luta pessoal e/ou coletiva que critica e resiste às noções essencialistas de identidade.
Leituras Queer pretende ser um espaço de reflexão, partilha e divulgação de obras Queer e Feministas em português. Um espaço que, tornando visível as vidas Queer pretende desconstruir o tabu; a homofobia; os estereótipos e invisibilidade que continuam a ser alimentados num contexto internacional de ódio, conservadorismo e medo.
Este é um projeto que pretende empoderar, estimular o pensamento para novas práticas mais disponíveis para o diálogo horizontal e para a aprendizagem mútua.