Imagem & Revolução: 45 Anos de Abril – Ciclo Prec 1

Dois olhares sobre o PREC visto pelos portugueses.

Dá-se a revolução, a 25 de abril de 1974, o povo ocupa as ruas, aliando-se ao exército. Há que registar a revolução em curso. Há que filmar e documentar este agitado período que Portugal vive. É em cima do acontecimento que surgem estas obras cinematográficas.

“As Armas e o Povo” (1975)

O ciclo PREC 1 começa portanto com um dos mais emblemáticos filmes sobre o 25 de abril, “As Armas e o Povo”, do Coletivo de Trabalhadores da Atividade Cinematográfica. Um filme que retrata a primeira semana da Revolução dos Cravos, desde o 25 de Abril ao 1º de Maio de 1974.

O colectivo que registou imagens de todos estes acontecimentos era composto por: Acácio de Almeida, José de Sá Caetano, José Fonseca e Costa, Eduardo Geada, António Escudeiro, Fernando Lopes, António de Macedo, João Moedas Miguel, Glauber Rocha, Elso Roque, Alberto Seixas Santos, Artur Semedo, Fernando Matos Silva, João Matos Silva, Manuel Costa e Silva, Luís Galvão Teles, António da Cunha Telles e António-Pedro Vasconcelos.

De todos estes realizadores, há um que se destaca mais. É o caso do realizador brasileiro Glauber Rocha, que estava em Lisboa nessa altura e aproveita para entrevistar as pessoas sobre o momento político em que estavam a viver. As suas entrevistas são as que mais se destacam, pela forma como realizador questiona as pessoas, aparecendo muitas vezes dentro de campo e gritando as perguntas. Eram feitas entrevistas aos soldados (as armas), questionando-os sobre a guerra no ultramar, e aos civis (o povo), questionando-os sobre a revolução, as condições de vida e as torturas a que muitos foram submetidos.

A última metade do filme contem o registo do primeiro 1º de Maio, em Lisboa, com duas figuras históricas a discursar lado a lado, Álvaro Cunhal e Mário Soares.

“As Armas e o Povo” é um documento valioso pelos testemunhos que se registaram sobre as aspirações, carências, comentários sobre a guerra colonial, melhoria das condições de vida e o futuro em liberdade. Paralelamente analisam-se os principais eventos que, a partir do golpe de 28 de Maio de 1926, contribuíram para a consolidação do fascismo durante o Estado Novo, percebendo as causas que levaram é queda do regime.

“Bom Povo Português” (1981)

“Bom Povo Português” é um filme do cineasta Rui Simões, que ilustra a situação social e política de Portugal entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975, “tal como ela foi sentida pela equipa que, ao longo deste processo, foi ao mesmo tempo espectador, actor, participante, mas que, sobretudo, se encontrava totalmente comprometida com o processo revolucionário em curso (PREC)”.

“A Revolução dos Cravos e o Primeiro Governo Provisório. As manifestações do PS e do PCP. António de Spínola e o «bom povo». O direito à greve. Camponeses e operários, os campos e as fábricas. Vasco Gonçalves, as coligações políticas e o MFA. Mário Soares perante a contaminação fascista da administração pública. Álvaro Cunhal e o Portugal democrático e independente. Os actos de repressão pela GNR, as manifestações pela descolonização. A radicalização da vida política: o 28 de Setembro, o 11 de Março, o caso Torrebela. As ocupações de prédios abandonados, a Reforma Agrária, o Norte e o Centro, Os Três Efes: Fátima, Futebol e Fado. Os retornados. Os avanços da social-democracia. Os casos do jornal República e da Rádio Renascença Os recuos do PS na revolução democrática. Os ataques a sedes dos partidos de esquerda. A Santa da Ladeira, a prisão de Otelo Saraiva de Carvalho e a entrada em cena de Ramalho Eanes.”

Rui Simões dá talvez com este filme um último olhar, mais fantasmagórico e melancólico daquilo que foi o PREC. É um olhar sobre o depois da revolução. Este é um documentário bastante mais elaborado que o anterior (“As Armas e o Povo”), sendo que este vive muito de imagens de arquivo (de imagens televisivas e cinematográficas) desde 74 até 75. De Abril a Novembro. Num registo poético somos guiados por uma voz que nos narra em off, de José Mário Branco, um texto de Teresa Sá.

A música tem também aqui um papel importante, sendo que o realizador sobrepõe sons e músicas, criando um efeito experimental. As músicas portuguesas e francesas dão outra vida a estas imagens a preto e branco, que por vezes são colocadas em câmara lenta. São duas horas de uma reflexão poética sobre a história, oferecendo novas leituras sobre o que foi realmente o 25 de Abril. É uma viagem que o realizador faz às esperanças e falhanços de uma geração, de uma forma triste percebemos no que resultou a revolução.

Uma família portuguesa janta pacificamente à mesa, e os mais novos abrem os presentes de Natal, junto à lareira. Otelo assiste na televisão à posse do General Eanes como Presidente da República, o seu adversário. Numa escola primária, uma professora pergunta aos alunos do que é que as pessoas morrem. O filme termina com alguma esperança, com o olhar das crianças, o futuro do país. O acordeão toca. Fim.

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Se disséssemos que éramos um bando de miúdos, um tanto sonhadores, que queriam fundar um site para escrever sobre cinema e que, por algum desígnio divino, pudéssemos fazer da vida isto de escrever sobre a sétima arte, seria isso possível? A resposta é óbvia: dificilmente. Todavia Isso não impediu o bando de criá-lo em 2008, ano da fundação do Cinema Sétima Arte. O espírito do western tinha-se entranhado em nós…
“A atividade crítica tem três funções principais: informar, avaliar, promover”. É desta forma que pretendemos estimular o debate pelo cinema.
Acima de tudo, escreveremos sempre como cinéfilos, esses sonhadores enamorados da sétima arte.
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Portuense mas reside em Viseu desde 2015 e é apaixonado por cinema e política. É administrador do site Cinema Sétima Arte, programador de cinema no espaço Carmo 81 e fez parte da equipa que reabriu o Cinema Ícaro, em Viseu, com o Desobedoc 2018. É ativista na Plataforma Já Marchavas, que organizou a 1.ª Marcha LGBTI+ de Viseu, em 2018.

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