“Arbeit macht frei” é a frase em alemão que significa “o trabalho liberta”. A expressão é conhecida por ter sido colocada nas entradas de vários campos de extermínio do regime nazi durante a Segunda Guerra Mundial, como em Auschwitz , onde a inscrição foi feita por prisioneiros com habilidades em metalurgia e foi ali erigida em junho de 1940.
Quem escapou à morte, às atrocidades de um regime, às execuções, à câmara de gás foi salvo, ou pelo menos, libertado, há exatamente 75 anos, pelas tropas da União Soviética, que chegaram a Auschwitz para ver aquilo que negaram e se recusaram a acreditar durante anos. Os relatos sobre o que aconteceu em Auschwitz são imensos, vários e sobejamente conhecidos: os prisioneiros chegavam, eram escolhidos para trabalhar no campo ou eram enviados diretamente para a morte (destino mais provável de idosos, crianças, grávidas e doentes); os que se queriam a trabalhar eram despidos, os cabelos rapados, e todos foram despojados dos seus bens e da sua intimidade. Era-lhes entregue uma farda (quem não recorda o livro e o filme “O rapaz do pijama às riscas”), que tinham que vestir durante inverno e verão, dormiam em camaratas sobrelotadas, comiam apenas uma refeição por dia, composta por um litro de água e um pedaço de pão.
Hoje, o campo de concentração é um museu e um memorial que honra as memórias das cerca de um milhão de pessoas que ali morreram à mão das forças nazis, e que recebe cerca de dois milhões de visitas anualmente. Manter viva a memória do que se passou no maior campo de extermínio construído pelas forças alemãs é o objetivo. Fazem-se exposições temporárias, garante-se que tudo o que foi encontrado então está em perfeitas condições de conservação, e é mostrado a todos os visitantes, exige-se silêncio e que se pense sobre o que ali aconteceu. “Para que a tragédia não se repita”, repetem os guias.
Mas hoje ainda há quem duvide do dizimar de seres humanos durante aqueles anos, dentro daqueles campos de concentração. É imperioso construir memória coletiva. Passaram 75 anos e quando passarem outros 75 anos? Não precisaremos de muitos mais, quando passar a informação para a próxima geração o que passará?
Com o número de sobreviventes do Holocausto a reduzir-se drasticamente, restam agora os seus relatos escritos, as imagens que perduram na memória e as visitas guiadas por pessoas que fazem questão de lembrar todos os que ali passam, que a liberdade é um bem muito efémero. Não deixou de haver genocídios porque houve o Holocausto. Continuam a matar-se pessoas porque são diferentes, porque são minorias, porque são ciganos, porque são homossexuais, porque são mulheres, porque são de cor diferente. Os genocídios acontecem contra pessoas cuja condição não é uma escolha e são perpetrados por pessoas comuns (os traços de psicopatia não são avaliados a talho de foice, a influência cega de grandes manipuladores sobre gente simples é tão conhecida, ou não…). O termo genocídio não existia antes de 1944, ele foi criado como um conceito específico para designar crimes que têm como objetivo a eliminação da existência física de grupos nacionais, étnicos, raciais e/ou religiosos. Visto assim friamente, escrito desta forma crua, é incrivelmente assustador e repudiante para a maioria de nós. No entanto, nos dias de hoje, a 27 de janeiro de 2020, uma manifestação de um partido político exibiu um dos seus membros a fazer a saudação nazi enquanto entoava o hino nacional. Nenhum dos seus pares pareceu perturbado, nenhum dos seus pares parece ter percebido as consequências da divulgação destas imagens, nenhum dos seus pares pareceu incomodado com o facto de ter alguém ao seu lado a fazer a saudação nazi, no dia de ontem!!!! Não é apenas o dia de ontem é o apagar de uma memória coletiva em alguém ou num grupo de pessoas.
Halbwachs, já no início do século XX, destacou a necessidade de se analisar a memória como um fenómeno social, construída coletivamente e passível de constantes transformações. É claro, a memória individual existe, mas está enraizada em diferentes contextos de acordo com a contingência com que se sucedem os episódios que guardamos. Nada escapa à rapidez da existência social atual, e é da combinação de diversos elementos que pode emergir aquela forma que chamamos lembrança, porque a traduzimos em linguagem. Segundo este autor a memória “é resultado do movimento do sujeito no ato da memorização, como também é ação dos diversos grupos sociais nas suas histórias, o passado e presente”. Compreende a memória coletiva como um elemento essencial para a vivência social, por realizar evocações do passado que fornecem fundamentos para que seres humanos interpretem e vivenciem o presente e, a partir de então, visualizem a construção de projetos capazes de modificar o futuro.
Acentua também as funções positivas desempenhadas pela memória comum e, entre elas, a de reforçar a coesão social. É conferido à memória coletiva o atributo de atividade natural, espontânea, seletiva, porém desinteressada. Ao contrário, a “memória histórica” pode constituir um processo interessado, político e manipulador e aqui reside o perigo.
O instrumento decisivamente socializador da memória é a linguagem. Ela reduz, unifica e aproxima no mesmo espaço histórico e cultural várias imagens que guardamos e que ouvimos. De resto, as imagens que guardamos não são, embora pareçam, criações puramente individuais. São representações, ou símbolos, sugeridos pelas situações vividas em grupo pelo indivíduo. A linguagem é elemento fundamental na socialização da memória.
Em resumo, a memória é a capacidade de recordar dados e acontecimentos. O conceito de memória coletiva refere-se a todos os aspetos que fazem parte do legado de uma comunidade. Este termo está relacionado com os fenómenos associados à opinião pública e expressa o quadro social da memória compartilhada. A literatura, o cinema, a música, a arte e a formação escolar deverá permitir ter uma ideia aproximada do que ocorreu em outras épocas da humanidade.
É fundamental guardar, passar para as gerações todos os eventos que aconteceram e que marcaram para sempre a existência da humanidade. Falar sobre eles, escrever sobre eles, formar conteúdo fiel aos factos, usando a linguagem como elemento socializador da memória. A libertação em Auschwitz aconteceu há 75 anos, não podemos negar, não podemos ignorar, não podemos não acreditar, não podemos ser indiferentes, não podemos repetir em menor ou em diferente escala. PARA QUE NUNCA SE REPITA!!!!
Psicóloga, de 44 anos.
É natural de Resende, onde reside, trabalha em Lamego.
Candidata independente às Eleições Legislativas pelo Bloco de Esquerda.