Uma semana após a tertúlia realizada em Resende sobre o tema “Ouvir quem cá vive: Vamos falar de direitos de mulheres do interior” e com o tempo que permite uma reflexão mais tranquila, deixo alguns apontamentos que considero de enorme importância.
Resende é uma pequena vila do distrito de Viseu, uma vila do interior, somos pouco mais de 11 000 habitantes no concelho. Uma vila que fica a uma hora de distância da sua sede de distrito, cujo acesso se faz, em boa parte, por estrada sinuosa, perigosa. Uma vila de um interior desigual, cheio de amarras que o impedem de se desenvolver e de crescer. Uma vila onde a falta de emprego limita sonhos e ambições. Sou orgulhosamente deste interior, desta terra cheia de potencial esquecido que quase ninguém vê.
É possível sair do quadrado, pensar fora da caixa, organizar eventos participativos no interior. Este evento foi organizado pelo Bloco de Esquerda de Viseu e contou com a presença de Bárbara Xavier (1ª candidata Bloco de Esquerda pelo Distrito de Viseu), Rita Diogo (2ª candidata Bloco de Esquerda pelo Distrito de Viseu) e de Manuela Antunes (Núcleo de Viseu da União das Mulheres Alternativas e Resposta). Depois dos entraves conhecidos e sobre os quais não valerá a pena repisar, conseguiu-se juntar mais de 60 pessoas na Casa do Povo de Resende para participarem numa tertúlia que durou, espontaneamente, por mais de 2 horas e meia. Apesar de, por terras do interior, as populações não estarem habituadas a serem ouvidas, as pessoas aderiram de uma forma extremamente positiva. O ambiente descontraído e informal que se criou, gerou grande participação de todas e de todos. O público presente era completamente heterogéneo, tanto em termos de faixas etárias, desde os 13 até aos 75 anos, como em termos de formação académicas, desde professoras universitárias até pastoras e agricultoras, passando por empresários e empresárias, pessoas desempregadas e reformadas, composto por homens e mulheres. Enalteço a participação de uma jovem de 15 anos, que usou da palavra de uma forma incrível, pouco comum em jovens da sua idade e que traduziu os anseios de quem deseja viver num ambiente mais livre, com maior igualdade de oportunidades, com maior desenvolvimento social e menos conservadorismo. O ambiente vivido foi de real igualdade e de perceção de que os problemas do interior, tais como o isolamento, o esquecimento político, o envelhecimento da população, o grande défice na reposição geracional, a fraca oferta de emprego, o baixo empreendedorismo, os níveis críticos de infraestruturas e serviços entre muitos outros carecem de uma intervenção concertada e partilhada com quem vive no interior, através da sua voz ativa e participativa.
O debate foi fluindo de forma livre por entre temáticas variadas, relacionadas com o que significa ser mulher no interior e todas as vicissitudes da desigualdade de género no trabalho, nas condições de vida, em casa e na sociedade. De facto, todas e todos concordaram com o facto de as mulheres serem mais vulneráveis a situações de desemprego ou emprego precário, são muitas vezes sujeitas a condições mais precárias de sobrevivência e de maior risco de pobreza, estão sobrecarregadas pelas tarefas domésticas o que limita a sua liberdade, estão expostas a ideias conservadoras e estereotipadas e, por isso, também mais sujeitas a situações de assédio.
A violência doméstica foi, naturalmente, um tema fraturante. A dificuldade de acesso ao emprego qualificado quando as mulheres em Portugal têm um nível de qualificação muito elevado mas permanecem vedadas a uma série de oportunidades, foi também preocupação debatida.
Os direitos fundamentais, o feminismo, a igualdade, a equidade mediaram todo o evento.
Queremos quebrar invisibilidades, desigualdades, iniquidades por um país mais coeso, mais justo e mais equilibrado. Sabemos que muitas pessoas gostariam de ter participado mas ficaram omissas pelo medo, pelo receio de perder algo que não têm como assegurado e que são direitos básicos e fundamentais. Por isto, continuaremos a lutar, sem baixar os braços, falando por quem não tem voz, falando por quem ainda sofre de alguma forma de opressão, falando, ouvindo…
Psicóloga, de 44 anos.
É natural de Resende, onde reside, trabalha em Lamego.
Candidata independente às Eleições Legislativas pelo Bloco de Esquerda.