Universal é aquilo que, no isolamento, na solidão, cada sujeito pode pensar; já o comum é aquilo que cada singularidade pode construir, constituir ontologicamente a partir do fato que cada singularidade é múltipla, mas concretamente determinada na multiplicidade, na relação comum. O universal é dito do múltiplo, enquanto o comum é determinado, é construído através do múltiplo e aqui especificado. A universalidade considera o comum como um abstrato e o imobiliza no curso histórico: o comum subtrai a universalidade da imobilidade e da repetição, e assim a constrói concretamente.
Negri acrescenta ainda que a construção do comum, do comunitário e da comunidade que lhe subjaz, pressupõe uma ontologia, i. é, um pensamento e uma prática (uma praxis) relacionados com o ser, com a composição mesma do real, com a substância da vida em comum, fundamentada nesse trabalho quotidiano de “incremento do ser”. O problema será agora o de sabermos se uma política cingida às causas, e apesar da sua essencialidade para a construção do comum, de comunidade, será ontologicamente suficiente, se é tarefa bastante para a necessária superação ontológica do capitalismo.
Não se tratará, insisto, em descredibilizar, subalternizar, subordinar ou secundarizar o trabalho político em torno de causas, pelo contrário, destaca-se e confirma-se o seu carácter essencial, incontornável mesmo.
Uma política que não se resigne e se limite às diversas conquistas progressistas deixando intocado o fundo ontológico do capitalismo e das formas de dominação burguesa, nomeadamente expressa na sua figura moderna constitucional, liberal e parlamentar. Não se tratará, reafirmo, de abdicar do trabalho da sindicância laboral, do ativismo antirracista, da premência da luta global contra a destruição ambiental, ou das causas que orbitam em torno do anti-patriarcado. Como observamos no nosso dia-a-dia o capitalismo e a dominação burguesa são suficientemente flexíveis e plásticas para se adaptarem à política quotidiana das causas e das suas conquistas mais ou menos precárias, mais ou menos contingentes.
A tese que pretendo aqui deixar é a de que o trabalho político em torno das causas, enquanto se permitir em desenvolver dentro do quadro do capitalismo e da dominação burguesas, será sempre um trabalho, uma praxis, necessária mas nunca suficiente. Não se trata, repare-se, de procurar reafirmar a interseccionalidade entre essas diversas causas – interseccionalidade essa que se nos afigura como uma evidência – nem sequer de acusar a mobilização cívica em torno de uma causa como parcelar, quiçá, sociologicamente urbana, pequeno-burguesa; tratar-se-á, antes, de voltar a impregnar a praxis da luta pela ontologia, pelo ser, por uma projeção de comunidade, de comum, de vida em comum, que seja a materialização de uma forma de convivência não capitalista, nem burguesa. Por maior, por mais completa e complexa que seja a nossa capacidade de somarmos causas comuns e de lhes conferirmos, pela prática, um sentido unitário, esse incremento na praxis estará fadado à fragmentação se não formos capazes de retomar a essência da praxis materialista como uma conquista ontológica em relação ao capitalismo e à dominação política burguesa.