De acordo com o Relatório ILGA Europe 2022, Portugal encontra-se em 10o lugar (62.03%) numa lista de 49 países, entre os quais Malta, em primeiro lugar (92.02%) e, Azerbaijão, em último (2.41%), no que toca ao respeito dos direitos LGBTQI+ enquanto direitos Humanos.
Após quase duas décadas da despenalização da homossexualidade em Portugal (1982), cinco anos depois da fundação da primeira Associação LGBT em território português (ILGA Portugal, 1995), assistimos, finalmente, ao início do avanço legislativo nas matérias da orientação sexual, identidade de género e características sexuais.
Logo nos inícios do milénio, conseguimos o reconhecimento das uniões de facto a casais do mesmo sexo (2001), a igualdade no casamento (2010), a lei de identidade de género (2011), o alargamento à adoção e co-adoção a famílias homoparentais (2016), o acesso a técnicas de procriação medicamente assistidas a casais de lésbicas e a qualquer mulher (2016), a lei de autodeterminação da identidade de género, expressão de género e características sexuais (2018) e, mais recentemente, a lei que proíbe a discriminação na dádiva de sangue por razão da orientação sexual, identidade de género ou características sexuais (2021).
Mas, se por um lado assistimos a um avanço legislativo em matéria de direitos humanos, do reconhecimento da diferença enquanto elemento essencial da diversidade social, o impacto destas medidas não se traduz de modo imediato na vida destas pessoas, continuando a resistir desigualdades e desvantagens que pessoas LGBTI+ vivem na sociedade portuguesa. A discriminação em função da orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais (OIEC) continua a ser premente, a diferentes níveis, mostrando a resistência conservadora às políticas públicas portuguesas.
Entre as áreas da saúde, da educação, do trabalho, da habitação, são descritos os episódios de preconceito e discriminação contra pessoas LGBTQI+. Também, o direito à família e à comunidade, o direito à liberdade de expressão e associação, ao asilo e imigração, ao reconhecimento legal de género a pessoas Trans ou, ainda, o acesso a serviços de apoio e direitos, são apontados quer pelo trabalho de associações LGBTQI+, quer por estudos nacionais e internacionais, como dos mais alarmantes, tendo a pandemia COVID-19, exposto as fragilidades vividas por uma boa parte desta população.
Mas se os impactos da discriminação, das desigualdades, no reconhecimento de direitos mostra ser diferente entre o espectro de pessoas LGBTQI+, também o é conforme a região do país em que estas residem ou trabalham. Se nas grandes metrópoles portuguesas, Lisboa e Porto, se assistiu a um avanço significativo no que toca ao trabalho de estruturas representativas das pessoas LGBTQI+, entre as quais o movimento associativo e ativista, o interesse na criação de planos municipais LGBTI+, vemos por contraste, a falta de visibilidade, os casos de violência, e o desleixe da política local por diretivas nacionais, fora dos centros urbanos. Enquanto se dá a monopolização das estruturas de poder no litoral e em Lisboa, o interior mostra ficar desprovido de recursos humanos e financeiros que garantam o acesso democrático e igualitário a serviços básicos como a saúde, educação, ao trabalho e a habitação para todas as pessoas.
A falta de informação e de formação especializada em assuntos LGBTQI+, quer nas escolas, hospitais, serviços de segurança e justiça, continuam a comprometer a vida de muitas pessoas LGBTQI+ que, sentindo o preço estigmatizante da diferença, da vigilância social em meios mais pequenos, são obrigadas a abandonar aqueles meios, emigrando, ou quando impossibilitadas de se deslocar, escolhem permanecer dentro de um enorme armário que tantas vez cria situações de rutura mental, levando ao suicídio. O risco de violência motivada por LGBQI+fobia não é menor no interior ou nas ilhas mas, pelo contrário, mais evidente, pela falta de visibilidade que estas pessoas enfrentam. Pela falta de recursos que garantam o reconhecimento de direitos, de apoios sociais específicos, a quem deles mais necessita para viver.
A necessidade de descentralizar recursos para o interior do país é já uma velha máxima que tantas vezes se discute mas se continua a arrastar. O problema do êxodo, da insulação, da gentrificação, continuam a criar formas de exclusão e pobreza social. Precisamos de pensar e agir de forma diferente. Precisamos que os municípios reconheçam nos seus planos de ação as questões relacionadas com a igualdade de género, com a orientação sexual, a identidade de género e características sexuais, de forma a criar políticas locais de combate à pobreza social e à valorização dos seus territórios.
Precisamos de quebrar o ciclo de invisibilidade que tanto marca o interior, quer com a ocupação do espaço público na reivindicação de direitos que, este ano, conta com mais de 20 marchas em todo o país, como na descentralização de estruturas de apoio que respondam às solicitações de todas as pessoas que vivem nas periferias do país. Precisamos de criar um diálogo, tantas vezes inexistente, entre a comunidade civil, as estruturas de governo locais e nacionais, de forma que se criem soluções adequadas a problemas específicos, tendo em conta a diversidade do território português.
Precisamos que os progressos legislativos impactem, efetivamente, a vida das pessoas em todo o país. Precisamos da valorização do interior e das pessoas que aqui vivem.
Daniel Santos Morais, 26 anos, Mestre em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Licenciado em Estudos Europeus pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu.