Para quando a necessária aposta no ordenamento florestal?

Enquanto prevalecer uma lógica de mercado na gestão da floresta que privilegia grandes manchas florestais de eucalipto, em detrimento de uma clara aposta no financiamento a projetos de gestão conjunta e na promoção de espécies autóctones, o interior do país continuará a ser consumido pelo fogo!

Os incêndios dos últimos dias têm originado uma verdadeira guerra de passa culpas no que concerne ao combate ao fogo, com particular destaque para o caso de Mação. Agora que foram dominados os fogos mais preocupantes, é tempo de refletir sobre os fatores que, a montante, favorecem a progressão dos incêndios, como o (des)ordenamento florestal e a persistência de grandes áreas onde predomina eucalipto, espécie que potencia a propagação do fogo.

Na sequência da vaga de incêndios de 2017, foram aprovados diversos diplomas tendo em vista um ordenamento florestal que favorecesse uma boa gestão das parcelas dos pequenos e médios proprietários florestais que, como é sabido, predominam no centro e norte do país.

A aprovação das Unidades de Gestão Florestal, onde os proprietários se associariam para procederem à gestão colaborativa dos seus terrenos, constituiu uma das medidas potenciadoras de boas práticas, nomeadamente a “limpeza” de terrenos, bem como a adoção de faixas de proteção que contribuiriam para a prevenção dos incêndios.

Mas o processo de implementação dos diplomas legais está longe de ser uma realidade. O zelo do governo tem-se centrado na cobrança de multas a populações idosas e isoladas do interior que, sozinhas, não têm recursos para limpar os terrenos à volta das suas casas!

Em março deste ano, a associação ambientalista ZERO alertava para o facto de a grande parcela dos investimentos estatais serem direcionados para a região do Alentejo, onde o latifúndio com agricultura e pecuária são dominantes, com 65% do investimento contratualizado com proprietários.
Por sua vez, o apoio à implementação das UGFs direcionado para as regiões centro e norte ficar-se-ia pelos 500 mil euros, sendo que apenas 128 mil euros, isto é, 25% do valor, terão sido utilizados.

O facto de o apoio à integração nas UGFs se situar apenas nos cinco euros por hectare terá contribuído para a fraca adesão concursal a este modelo colaborativo, o que evidencia, no mínimo, alheamento face aos problemas do minifúndio e às dificuldades por que passam os pequenos proprietários com parcos recursos.

Enquanto prevalecer a lógica de mercado na gestão da floresta que privilegia grandes manchas florestais de eucalipto, em detrimento de uma clara aposta no financiamento a projetos de gestão conjunta e na promoção de espécies autóctones, o interior do país continuará a ser consumido pelo fogo!

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Maria da Graça Marques Pinto nasceu em 1950.
Foi eleita para a Assembleia Municipal de Viseu em 2005 e integrou listas do BE para a Câmara Municipal e para o Parlamento.
Foi membro da Coordenadora Distrital de Viseu, da Comissão Política e da Mesa Nacional do BE.
É ativista na SOS Racismo.

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