Dispersão

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Ela tem 12 anos. Achava que a cadência comum que une dois corpos estaria sempre lá. Achava que a ligação entre seres era infinita. Na sua ingenuidade aprendeu que o abandono poderia ser um lugar nocivo. Na sua inocência percebeu eu duas pessoas podem não estar ao mesmo ritmo. Ela fica e anda sozinha. De repente, somam-se umas quantas dezenas de anos duradouras e sofridas ao seu ser. Ocasionalmente solta-se-lhe um olá que lhe sabe a inexistência. Nada dura para sempre e ela sofre com a brevidade de tudo.

Sobrevive no sonho eterno, constante e ilusório de viver momentos, lugares e sentimentos. Imagina mil mundos pela incompreensão do mundo suposto seu. Quem ela é, não sabe. Quem ela quer ser, é uma incógnita. Para onde quererá caminhar, é um absurdo de pensamento. Se não há eternidade, de que vale perspectivar. Ela tenta saber. E tem 12 anos. Que pesado é ser… Do que lhe servirá esta quimera, desconhece. Somente traz consigo o amparo e o alento que lhe dá nesta coisa de existir na intensidade. E sobrevive, descomedidamente. Passam os instantes da vida e ela quer viver para sempre. Que paradoxo, não é? Já te olhaste ao espelho? Quem serás tu? O que quererás tu? Em que acreditas tu? É difícil, não é? Procuras ser um reflexo dos outros e desvaneces na tua definição. Procuras conquistar toda a gente e ganhas um todo cheio de nadas. Não és capaz de apreciar a própria natureza. Não és capaz de respirar fundo quando essa deveria ser a coisa mais primacial de fazeres. Não és capaz de viver o presente quando nem sabes o que virá do futuro. Porque insistes? A ânsia não pode ser a tua casa. O dissabor não pode ser o teu modo de estar. A preocupação não pode ser o teu lar. Crias tantas moradas por onde passas e nem sabes o número da tua porta nem da tua rua. De tanto tentares, quase desapareces. Contas as horas, os minutos e os segundos e, num ápice, tornas-te um número o qual nem sabes enumerar ou calcular. Tens 12 anos, já te esqueceste? Detestas o vazio e constróis-te nele. Procuras que o sonho te devolva quem tu és e não sabes ser real. Queres viver sem ti? Tu queres, mas não consegues. Não consegues deixar de pensar na eternidade. O silêncio mata-te. O silêncio é uma mentira. Já olhaste bem para ti? Tens 12 anos. Afinal, fala-me, liberta-te, larga o sufoco! Eu digo…eu digo! Dialogar com o mundo é o que eu tento e quero. Dar valor e vida a qualquer um onde eu esteja é o que eu tento e quero. Ser ponto de chegada e ponto de partida é o que eu tento e quero. E eu acredito que vou conseguir. Tenho 12 anos, mas posso ser o que quiser. Tenho 12 anos, mas posso ter 30 ou 80. Tenho 12 anos, mas posso ser triste também. O desânimo a ninguém pertence e pertence-nos a todos. A insatisfação é o meu nome próprio. “Olá, como te chamas? Sou a Insatisfeita”. Apresento-me assim e acho-me digna de viver. Viver também é belo. O desconsolo tem um certo deleite. Terei mesmo 12 anos? Que entusiasmo…

Logo depois, ela acorda. Traz consigo um rosto feliz. De súbito, a sua cor é o arco-íris. Da mesma forma, a sua vivência ganha sentido. E o sonho torna-se real. Afinal, milagres acontecem…Vivam e sejam alegres! Ela percebeu que vale a pena e ser dispersa nunca foi tão bom.

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O renascer da arte a brotar do Interior e a florescer sem limites ou fronteiras. Contos, histórias, narrativa e muita poesia.

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Tem 19 anos e estuda Relações Internacionais. Vive actualmente em Lisboa mas o coração permanece em Santa Comba Dão, terra que pertence ao distrito de Viseu.
“A terra onde cresci, a terra onde continuo a crescer, a terra onde para sempre continuarei a crescer. Gosto de observar nos meus tempos livres. Gosto de olhar os outros, olhar as coisas, olhar simplesmente. Procuro andar sempre ocupada. Ocupada por entre projectos diferentes, ocupada por entre actividades que me dão vida e que me tornam melhor. Na faculdade estudo aquilo que quero fazer no futuro, fora da faculdade, estudo aquilo que me permite construir o futuro. A fazer música, a ajudar os outros, a abrir portas para o mundo e para os valores e direitos do ser humano. Esta sou eu e aquilo que sou é uma infinita incógnita. Não fosse eu uma busca eterna de mais e mais…”
Esta autora escreve segundo o antigo acordo ortográfico.

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