Costa conseguiu livrar-se da esquerda. O crescimento da extrema-direita foi um dano colateral da sua estratégia maquiavélica.

Costa só chegou a primeiro-ministro, em 2015, porque BE e PCP lhe garantiram maioria parlamentar. Mas cedo os chamou de “empecilhos” e não só recusou um acordo escrito com o BE, em 2019, como foi esvaziando as negociações à esquerda. Com o PSD e o CDS fracos, faz braço de ferro com a esquerda no OE 2022 e arrisca, com apoio de Marcelo, eleições, com a maioria absoluta no horizonte.
António Costa
PES Communications. Flickr. CC BY-NC-SA 2.0.

Muita gente atribui ao voto contra o Orçamento a deslocação de votos do BE e da CDU para o PS. Mas recordo que já depois dessa votação sairam sondagens que mantinham o BE em 3º lugar e a CDU a segurar o seu eleitorado. Mais tarde, as sondagens começaram a dar gás à direita, com os “media” a preparar “a eleição mais disputada de sempre”. O Público, dois dias antes das eleições, colocou na primeira página PS e PSD “lado a lado” e o BE em 5º lugar, embora com os mesmos 6% do IL e do Ch, quando a sondagem colocava o BE em 3º lugar, com a estimativa de eleger mais deputados do que o Ch, o IL e a CDU.

Um amigo confidenciou-me que desta vez não votou BE, “engoliu um sapo” e votou PS para impedir um mal maior, uma vitória da direita “austeritária” que se podia aliar à extrema-direita. Foi esse receio que levou muitos eleitores de esquerda a votar no PS. Compreendo a sua opção, mas o facto é que, de mal menor em mal menor, andamos há quase meio século a alimentar um “rotativismo” sem alternativa, gerador de compadrio, nepotismo e corrupção, com as desigualdades sociais a crescerem e o Interior do país a (não) “ver passar os combóios”! Se muitos eleitores de esquerda não se tivessem deixado iludir pelas sondagens e pelo “empate técnico” amplificado pelos “media” (O DN até divulgou um inquérito que dava o PSD à frente), o PS teria ganho sem maioria absoluta e provavelmente teria de voltar a negociar, a contragosto, com os partidos de esquerda. Ou então mostraria o jogo e optaria pelo “bloco central” que, na verdade, já ensaiara ao aprovar a maioria dos seus diplomas com os votos do PSD.

António Saraiva, da CIP, na Antena 1, regozijou-se com a maioria absoluta do PS porque Costa lhe teria dito que não podia fazer mais pelo grande patronato devido aos constrangimentos com os partidos de esquerda. Ora, como um dos motivos por que BE e PCP não aprovaram o OE foi o PS se ter negado a repor os direitos laborais retirados pela Troika e pelo governo PSD/CDS (apesar de Costa ter criticado Seguro por não ter, na altura, votado contra), imaginem o que virá por aí? Para já retirou do OE o englobamento das mais-valias no IRS dos mais ricos. O outro motivo para o voto contra o OE foi o insuficiente reforço do SNS. Agora, vem o presidente do IPO de Lisboa a alertar para a fuga de médicos se não houver uma revisão das carreira, tal como exigiam o BE e o PCP.

Há lições a tirar: pelos partidos que perderam deputados; pelos alquimistas de sondagens; pelos “media” que as amplificaram; pelos eleitores de esquerda que assustados por aquelas, apesar de não quererem a maioria absoluta do PS, ficaram com esse “mal menor” e com a esquerda enfraquecida perante a bravata da extrema-direita que provoca o Portugal de Abril. “Não passarão!”

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Nascido em Viseu, no 1º de Maio de 55; comerciante e professor (não praticante) de EVT; vice-presidente da Olho Vivo – Associação para a Defesa do Património, Ambiente e Direitos Humanos e activista do Núcleo de Viseu desta ONG. Foi deputado municipal do BE, na AM de Viseu, de 2009 a 2017. É cronista em blogues e jornais regionais. Esporadicamente publica cartoons e faz recitais de poesia. É membro do CORO AZUL – grupo vocal da Associação Gira-Sol Azul.

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