Mancomunidade de Montes, o projecto florestal galego. Um exemplo de organização territorial e florestal

Foto por Diego Garcia

Foto por Diego Garcia
Uma quarta parte do território galego, mais de 700.000 hectares, corresponde ao Monte de Vizinhos em Mão Comum (MVMC), gerido por 2800 Comunidades de Montes, estendendo-se por 248 dos 316 municípios da Galiza, e ocupando perto de 30% do território galego. Isto vem demonstrar que esta estrutura não só tem importância real como é um sinal de identidade e da cultura da Galiza e do seu território, mas que é também um claro indicador económico e produtivo. Os MVMC são uma forma de co-propriedade germânica, com una regulação específica, que prevê que os Montes de Vizinhos são bens indivisíveis, inalienáveis, imprescritíveis e inembargáveis, dada a sua especial natureza colectiva.

A propriedade comunal dos MVMC é de natureza privada e colectiva, com independência da sua origem, correspondendo a titularidade dominical e de aproveitamento, sem designação de quotas, ao conjunto dos vizinhos com casa aberta e residência habitual nas localidades as que tradicionalmente tivesse estado inscrito o seu aproveitamento.

MONTE DE VIZINHOS EM MÃO COMUM DE CARBALLO

MVMC ‘de Carballo’ é um baldio constituído por mais de 50 famílias que são donas de cerca de 710 hectares no total. Cerca de 270 dos 710 hectares do MVMC estão a ser usados num sistema silvo-pastoril com cavalo galego (30 animais), enquanto cerca de 30 hectares estão alocados para a criação de porcos Celtas (100 animais), ambos raças nativas do Noroeste de Espanha.

Desde 2008 que esta exploração tem vindo a diversificar a sua produção e a passar duma situação de plantações de pinheiro (Pinus radiataP. pinaster e P.sylvestris), para um esquema agro-florestal mais diversificado. Inclui uma plantação recente de espécies de árvores nativas (bétulas, castanheiros, nogueiras e cerejeiras) em combinação com a produção de carne (o porco e cavalo nativos) e outros recursos complementares como mel, cogumelos e resina de pinheiro. As principais razões pelas quais a comunidade ‘de Carballo’ decidiu iniciar um sistema silvo-pastoril de gestão da terra incluíram razões produtivas, ambientais e sociais:

  • aumentar e diversificar a produção,
  • reduzir e controlar a biomassa (vegetação arbustiva e o subcoberto florestal) de modo a prevenir os incêndios florestais,
  • aumentar o valor estético da paisagem,
  • alcançar um maior envolvimento da comunidade nas tarefas do dia-a-dia da gestão das suas terras.

Embora a maior fonte do rendimento do MVMC ‘de Carballo’ ainda provenha das plantações de pinheiro, a Comunidade tem vindo a conseguir introduzir com sucesso usos agro-florestais complementares com retornos a curto prazo (ganhos anuais) e a reduzir os riscos (sobretudo de incêndio). A implementação de sistemas agro-florestais também melhorou a gestão florestal, pois ajudou a tornar mais baratas e simples as práticas silvícolas, como as podas e os desbastes. A gestão agro-florestal também tornou mais fácil o aumento do valor dos produtos florestais do MVMC ‘de Carballo’, pois esta floresta é a primeira na região a obter ambas as certificações PEFC e FSC. No entanto, uma das principais preocupações actuais prende-se com o elevado número de ataques de lobos aos cavalos (nalguns anos a mortalidade chega aos 80 % do número de potros). A Comunidade tem vindo a pedir mais apoio da administração local e soluções práticas para manter o gado ao ar livre e os lobos a coexistirem numa mesma paisagem.

Foto por Diego Garcia
As decisões sobre gestão da terra são tomadas em Assembleia e a Comunidade gere não só a terra, a floresta e os animais, mas também leva a cabo actividades sociais, como actividades tradicionais, educacionais e culturais (por exemplo, eventos informativos, passeios, protecção e promoção dos locais de interesse arqueológico dentro das suas terras, um sistema tradicional de pastoreio dos cavalos, entre outros).

O MVMC ‘de Carballo’ também integra vários projectos de investigação como o AFINET (sendo um dos membros mais activos da RAIN espanhola) e vários grupos operacionais de gestão florestal da biomassa, sistemas agro-florestais com porcos Celtas, e sobre o aperfeiçoamento da coexistência entre gado e lobos. Para proteger os porcos dos lobos desenvolveram um sistema automático de recolha dos animais à noite baseado num estímulo de comida e som e estão de momento a tentar obter financiamento para desenvolver um sistema semelhante, mas móvel, para recolher os porcos que estão ao ar livre nas florestas.

MONTE DE VIZINHOS EM MÃO COMUM DE FROJÁM

Os labores florestais que se estão a desenvolver mostram um particular respeito pela conservação dos processos naturais e pelo promoção da biodiversidade, procurando a multi funcionalidade de usos do monte para benefício colectivo e a sua divulgação com um projecto de Aula da Natureza. O espaço forma parte das Áreas Conservadas por Comunidades Locais (ICCA) registadas no UNEP-WCMC e do Lugar de Especial Interesse Paisagístico (LEIP) do Vale do rio Sanfins.

Dentro dos limites do Monte de Vizinhos, associada às encostas do rio do Portinho ou Sanfins, existe uma carvalheira termófila de Quercus robur, na que aparecem diversas manchas de loureiro (Laurus nobilis) e de amieiros (Alnus glutinosa). Os três meios constituem habitats protegidos pela directiva europeia 92/43/CEE, incluídos no seu anexo I, no caso da carvalheira como de interesse comunitário (cod. 9230) e no caso dos loureiros e bosques aluviais de amieiro como habitat de interesse prioritário (cod. 5230* e 91E0*).

Entre muitas outras espécies próprias destas formações, cada vez mais escassas na Galiza, encontramos Dyopteris guanchica, uma espécie de fieito ameaçada e legalmente protegida pelo Catálogo Galego de Espécies Ameaçadas (Decreto 88/2007 do 19 de Abril). Nas covas resultantes de antigas explorações mineiras constata-se também a presença de musgo luminoso (Schistostega pennata) e diversas colónias de morcegos.

Foto por Diego Garcia
UMA LUTA DO POVO GALEGO

Em Abril de 2018, perto de mil pessoas percorreram as ruas da capital galega, Santiago de Compostela, em defesa dos Montes de Vizinhos em Mão Comum. A manifestação estava convocada e organizada pela Organização Galega de Comunidades de Montes de Vizinhos em Mão Comum e contava com o apoio de numerosas organizações, entre as quais ADEGA, APDR, FRUGA, ATRIFOGA e a central sindical CIG. A manifestação apelava contra o roubo do Monte Comunal.

Os motivos? Os manifestantes protestavam contra a Lei de Montes de Vizinhos em Mão Comum e contra a última modificação do Plano Florestal de Galiza. Acusavam ao Governo da Xunta de mudar a lei para beneficiar a privatização do monte e tentar eliminar um sistema de propriedade milenário deste território.

Em concreto, as organizações que apoiavam a mobilização denunciavam que com as últimas reformas normativas, o Governo galego pretendia entregar o Monte de Vizinhos às empresas privadas facilitando o aluguer por meio século daqueles montes que estavam catalogados como abandonados.

Alertavam também que a introdução das últimas alterações na Lei Galega de Monte de Vizinhos, a Conselheria do Meio Rural poderia declarar o Monte em Mão Comum em estado de abandono apenas por simples razões burocráticas e administrativas, como por exemplo, que uma Comunidade não escolha em tempo e forma as suas representantes ou não cumpra com todos os requisitos da nova Lei de incêndios florestais.

Uma vez que um monte é declarado em estado de abandono pode ser alugado a uma empresa por um período de até cinquenta anos, um tempo que faria com que se perca a memória daquele lugar.

Todas estas reformas estavam encaminhadas a modificar a propriedade dos Montes para arrebatar-lhos às vizinhas e facilitar que as empresas privadas façam a gestão dos montes para seu beneficio. Mais uma medida que arrastará a minguante população que ainda vive no rural galego cara a cidade e a emigração.

É preciso reconhecer o contributo do Monte de Vizinhos nas suas múltiplas vertentes: social, económica e ambiental. Dada a necessidade que tem a valorização do território como elemento de criação de emprego e de criação de riqueza, o Governo galego age como um aliado das Comunidades de Montes na hora de arrecadar essa visibilidade social e também numa maior consciência na cidadania sobre a necessidade de colocar a produzir as florestas galegas, tal como na ajuda em  inúmeros financiamentos.

Foto por Diego Garcia
O Monte de Vizinhos tem o objectivo de ser um dos principais motores de emprego local e, neste âmbito, as Comunidades de Montes serão as que vão dirigir a segunda fase do ciclo produtivo, a transformação industrial do amplo número de recursos que oferece a floresta galega. O objectivo não é exclusivamente melhorar a exploração florestal e a da biomassa, senão também compatibilizar com as utilidades do aproveitamento agropecuário (mediante projectos silvo-pastoril), produzir cogumelos, castanhas ou outro tipo de frutos da floresta e potenciar zonas recreativas e rotas pedestres que aprofundem o conhecimento do nosso ecossistema, também pode criar programas de educação ambiental dirigido aos mais pequenos.

As Comunidades de Montes gerem a administração e dão uma utilização sustentável ao território com o objectivo de manter e conservar a sua biodiversidade, produtividade e capacidade de regeneração, mediante um aproveitamento responsável e sustentável, desde uma perspectiva ecológica, social e cultural.

(Crónica editada e publicada em Shifter)

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Diego Enrique Rodrigues Garcia, nasceu no dia 1 de Agosto de 1992 em Ourense, na Galiza. Desde 2009 que reside continuamente em Portugal, na região da Beira Alta.
Ativista social e independentista galego, está ligado ao movimento associativo na área ambiental, do bem-estar animal e da juventude. Dirigente do Bloco de Esquerda no distrito de Viseu
Atualmente a realizar uma licenciatura em Estudos Europeus na Universidade Aberta.

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