25 de abril em Portugal: qual o futuro da democracia?

No passado 25 de abril de 2020, a Catarse – Movimento Social promoveu o primeiro encontro online da série #ativismoemcatarse, cujo tema foi 25 de abril em Portugal: qual o futuro da democracia? Este encontro contou com a participação de Margarida Tengarrinha e Manuel Loff e foi moderado por João Duarte, membro da Catarse.

Celebrar, comemorar ou evocar o 25 de abril é um imperativo histórico e um dever de reconhecimento a todos os que lutaram e deram a vida no combate ao fascismo português. Vários setores da sociedade, para espanto de muitos, manifestaram-se contra a cerimónia de evocação da revolução do 25 de abril na Assembleia da República. Esta revolução instaurou o regime democrático em que vivemos, e, como tal, antagónico seria não o celebrar no espaço representa a democracia portuguesa – a Assembleia da República.

A Catarse – Movimento Social desde o primeiro momento decidiu que celebrar o 25 de abril é um imperativo de consciência, mas sobretudo respeito e preservação de memória. Consciência histórica e respeito por todos aqueles que resistiram, por todos aqueles que foram torturados e assassinados pelo Regime de Salazar. Respeito e preservação da memória de todos aqueles que viveram na miséria, com fome e na pobreza extrema, que foram obrigados a emigrar e outros mobilizados para uma guerra colonial sem sentido, que apenas contribuiu para o desenvolvimento de doenças de longa duração, para a mutilação e a morte de milhares de jovens.

Para partilhar a sua experiência, a Catarse convidou Margarida Tengarrinha, professora, militante e dirigente do PCP. Foi expulsa da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 1952 por pertencer à MUD juvenil (Movimento de Unidade Democrática). Viveu na clandestinidade a lutar contra o regime fascista em Portugal.

Manuel Loff é historiador e professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Desenvolve o seu estudo e investigação em história do século XX, especialmente as ditaduras da Era do Fascismo e os processos de construção social da memória da opressão ou das experiências da sua superação. Autor do livro «O nosso século é fascista!» O mundo visto por Salazar e Franco (1936-1945), da editora Campo das Letras.

Margarida Tengarrinha iniciou a sua intervenção ressalvando a importância do 25 de abril de 1974 e o que esta data representa para a população, ressalvando que deste então a data se comemora com “grandes manifestações de rua, pelas liberdades democráticas”. Margarida Tengarrinha, referindo-se às medidas do Estado de Emergência para o combate à pandemia, questiona a anulação de “muitas das liberdades democráticas conquistadas no 25 de abril” nomeadamente a anulação dos “direitos dos trabalhadores à greve, o direito de manifestação ou o direito de reunião”.

Ainda neste contexto, Margarida Tengarrinha procura chamar a atenção na sua intervenção que a anulação do “direito de resistência às autoridades competentes é uma medida muito perigosa. A questão que se coloca é até quando é que estas medidas se aplicam?”. Margarida Tengarrinha destaca também que esta crise sanitária rapidamente se converteu numa crise económica e social.

Manuel Loff na sua intervenção inicial subscreve as preocupações que Margarida Tengarrinha desenvolveu no início da sua intervenção. Considerando o 25 de abril uma data marcante para a democracia portuguesa, Manuel Loff considera que, cumpridas todas as recomendações da DGS, bem como “respeitando todos os princípios do distanciamento social”, as comemorações deviam ocorrer “no espaço público, nas ruas, nas praças onde constitucionalmente temos o direito de nos manifestar”. Ainda sobre as polémicas sobre as comemorações neste contexto na Assembleia da República, Manuel Loff considera as pessoas que condenam este tipo de comemorações pretendem promover o esquecimento coletivo do significado deste dia que representa “a luta contra o fascismo, contra o colonialismo, contra todas as formas de opressão”, sendo imprescindível continuar a sua comemoração para preservar a memória coletiva.

Sobre o Estado de Emergência, Manuel Loff considera que constitucionalmente esta figura jurídica foi pensada para “ameaças ao modelo constitucional e à democracia portuguesa” e não para combate sanitário: “o vírus ataca pessoas e não a democracia”. Manuel Loff considera que o Estado de Emergência “ajuda a desvalorizar aquela que vai ser uma das mais graves crises económicas e sociais” e destaca que atualmente a situação do trabalho em Portugal é bastante preocupante dado que “1 em 4 trabalhadores portugueses está em lay-off”. Isto significa que os trabalhadores e trabalhadoras perdem automáticamente 1/3 do seu rendimento, e vivem diariamente com o receio que com o decorrer deste Estado de Emergência a situação evolua não para uma situação de normalidade de trabalho e de rendimento, mas para o desemprego. Manuel Loff destaca que atualmente vivemos uma crise de saúde pública, apesar de tudo controlada, sobretudo pela consciência de todos os portugueses, mas que rapidamente se converte numa crise social. Ainda sobre o Estado de Emergência, Manuel Loff refere que no Portugal democrático é a primeira vez que se suspende o direito à greve “nos setores considerados estratégicos, mas é o governo que estabelece o que é estratégico”. E ressalva o facto de se criar um artigo específico e “sinistro, a interdição à resistência, passiva ou ativa às autoridades, que é uma das bases de toda a democracia”.

Através da transmissão em direto na rede social Facebook, foi possível a intervenção de alguns participantes que colocaram questões aos oradores convidados. A preocupação maior é o elevado crescimento dos movimentos antidemocráticos e a expressão que começam a ganhar na sociedade portuguesa, considerando Margarida Tengarrinha que temos de nos “manter vigilantes” e chamar a atenção das pessoas, pô-las a pensar, pois o discurso destes movimentos tem de ser desconstruído. Manuel Loff considera que o regime em que vivemos, a democracia que o 25 de abril nos trouxe, não está em crise e que tem funcionado. No entanto, o modelo político que tinha vigorado até 2015 (apenas governava o PS, o PPD/PSD ou o CDS/PP) terminou, abrindo-se espaço para os partidos à esquerda do Partido Socialista (Bloco de Esquerda, Partido Comunista Português e Partido Ecologista “Os Verdes”) entrarem na área de influência do Governo. Manuel Loff considera que o “modelo não está em crise, está em crise, sim, a representatividade de quem governa esse modelo”.

O próximo encontro da série #ativismoemcatarse é dia 08 de maio de 2020 e será transmitido na página do Facebook da Catarse. O tema é Covid-19: quais as implicações sociais? Os convidados são Paula Cruz da Rede Europeia Anti Pobreza e Miguel Ricou, professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, sendo o encontro moderado por Catarina Peniche, membro da Catarse.

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