2021 do Avesso – É o Interior um mero armazém de recursos?

O Interior não pode continuar a ser visto como um armazém onde vale tudo: o extrativismo, a poluição, a precariedade laboral… Por isso continuamos a virar o Interior do Avesso, continuamos a ser uma plataforma de denúncia e divulgação das lutas dos coletivos, movimentos e cidadania do Interior, no Interior, para o mundo!

Em mais um ano marcado pela pandemia de COVID-19, por dois momentos eleitorais (Presidenciais em janeiro, Autárquicas em setembro) e ainda a iminência das eleições antecipadas para a Assembleia da República a 30 de janeiro de 2022, vários foram os assuntos que o Avesso acompanhou que nos levam a questionar a visão política sobre os territórios do Interior: são estes territórios vistos meramente como um mero armazém de recursos em saldo?

O Interior não pode continuar a ser visto como um armazém onde vale tudo: o extrativismo, a poluição, a precariedade laboral… Por isso continuamos a virar o Interior do Avesso, continuamos a ser uma plataforma de denúncia e divulgação das lutas dos coletivos, movimentos e cidadania do Interior, no Interior, para o mundo!

O ano começou, sem grande novidade, com sobressaltos na Central de Biomassa do Fundão. Para além dos ruídos já habituais e constantes do funcionamento da Central de Biomassa do Fundão, logo no dia 3 de janeiro, a população acordou com um forte estrondo que provocou vibrações e chegou às freguesias vizinhas.

Em 2021, até mesmo o estatuto de Património da Humanidade do Douro foi assumidamente e seriamente colocado em causa, com o projeto de construção de um hotel em Mesão Frio. Um parecer técnico da Unesco abriu caminho a uma futura exclusão do Douro vinhateiro do património mundial, devido a um hotel de cinco estrelas que Mário Ferreira, com o “apoio inequívoco” da autarquia socialista, quer construir no lugar da Rede, concelho de Mesão Frio.

Também na região do Douro, ninguém esquece o negócio das barragens, “um dos factos mais graves, danosos e prejudiciais da nossa História”. Uma Lei aprovada pela Assembleia da República, na sequência da ação do Movimento Cultural da Terra de Miranda e no âmbito do Orçamento do Estado para 2021, determinou que os impostos do trespasse de seis barragens do Douro Internacional, da EDP para o consórcio francês Engie, reverteria para um fundo local. Contudo, os complexos contornos do negócio da EDP isentaram-na de pagar os 110 milhões de imposto de selo. Este esquema, que permitiu que a EDP não pagasse os impostos devidos, foi aprovado pelo Estado, apesar dos alertas dados pelo próprio Movimento. Uma injustiça que continua por sanar.

Paisagem, património, gentes e ambiente parecem ser secundarizados. Alguns dos episódios deste nosso Interior que vamos virando do Avesso continuam mesmo sem qualquer explicação plausível.

Em plena cidade de Viseu, centenas de árvores, sobretudo carvalhos, foram abatidas, independentemente da idade e da sua função no ecossistema da Mata do Fontelo. Os cortes foram efetuados num terreno ainda privado e contíguo à área de gestão pública da mata, que o município nunca quis incluir na gestão municipal, perante a passividade do poder autárquico e a ausência de qualquer explicação.

E não podemos falar de um “armazém de recursos” sem abordar a questão da mineração e a narrativa do lítio que atinge acutilantemente os territórios do Interior. Ativistas de vários pontos do país estiveram numa Tribuna Pública Contra o Extrativismo promovida pelo Interior do Avesso no último mês de 2021, num debate que também contou com a participação cidadã.

Uma das ideias mais presentes na Tribuna Pública foi a necessidade de desconstruir o mito da “Mineração Verde” e de como a narrativa do lítio, apresentado como fundamental para uma transição energética e para a descarbonização, tem servido, na verdade, para o alastrar do extrativismo e de projetos mineiros em que o lítio representa apenas uma ínfima parte. 

Não só seriam necessárias várias toneladas de rocha, por exemplo, para extrair os quilos de óxido de lítio necessário para a bateria de um carro elétrico, como a concessão de exploração de lítio abre portas para explorar outros minerais existentes (urânio, volfrâmio, estanho, etc.).

Atropelos à dignidade de quem trabalha

E se em 2020 a pandemia tornou mais visível do que nunca as fragilidades instauradas no mundo do trabalho, em 2021 continuaram a surgir denúncias e testemunhos de precariedade e abusos laborais, sendo urgente e necessária a defesa dos direitos de quem trabalha, lutas a que o Interior do Avesso ajudou a dar voz.

Foram vários os momentos de protesto dos trabalhadores da ManpowerGroup a prestar serviço no Centro de Contacto da EDP em Seia, reivindicando, entre outras medidas, o pagamento do acréscimo de despesas com o teletrabalho.

Em Castelo Branco, a histórica Dielmar, empresa têxtil fundada em Alcains no ano de 1965, encerrou, atirando para o desemprego cerca de 300 pessoas e afetando gravemente o rendimento de muitas famílias e a economia de uma região. O futuro da confeção continua por definir.

Em Vila Real, trabalhadores do Hotel Miraneve denunciaram em maio cinco meses de salários em atraso e indemnizações por pagar a trabalhadores que entretanto haviam saído. Em outubro, os trabalhadores do hotel e restaurante foram confrontados com o encerramento definitivo dos estabelecimentos e com o seu despedimento. Segundo informação adiantada então pelo Sindicato de Hotelaria do Norte, a empresa não pagou “os direitos devidos aos trabalhadores e até o modelo para o desemprego foi mal passado.”

Em Bragança, a Faurecia, empresa do ramo automóvel, dispensou dezenas de trabalhadores dos quadros em regime de mútuo acordo, uma vez que tinha aderido ao Lay-off, que não permite que ocorram despedimentos. As dispensas na empresa de sistemas de escapes, a maior empregadora privada do distrito de Bragança, onde trabalham agregados familiares inteiros deixaram muitas famílias receosas do futuro.

Ainda no setor automóvel, muitas foram as denúncias recebidas relativas à PSA Mangualde (Grupo Stellantis). As últimas notícias dão conta de que o grupo, recebedor de apoios públicos nacionais e europeus, estaria a mandar embora todos os trabalhadores da geração mais nova que têm contratos a termo, sobrecarregando os efetivos. A Stellantis Mangualde terá ainda este mês prolongado o lay-off por seis meses, com os trabalhadores a receberem 80% do seu salário, enquanto em empresas como a Auto-Europa ou a HUF recebem 100%.

Entre muitas outras, também as lutas e reivindicações dos trabalhadores da proteção civil têm sido acompanhadas, centenas deles ficando fora do suplemento de penosidade e insalubridade, apesar de desenvolverem trabalhos de grande penosidade. Recebemos também várias denúncias de casos concretos neste setor, entre eles o da brigada de sapadores florestais da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela , com contratos precários a termo certo,que chegam ao fim em janeiro, e a aplicação de um banco de horas ilegal que retira todos os anos por altura do verão um pagamento pelas horas de trabalho suplementar executado em ações de vigilância, primeira intervenção e de rescaldo.

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