A propósito e se bem se lembram, há quatro anos, estávamos suspensos do que resultaria da novela dos papéis que tinham fugido para o Panamá. Um consórcio de jornalistas de investigação sustentava a sua publicação e acreditámos que viriam à superfície os submundos dos (ditos) “off shore” – “paraísos fiscais” que são infernos deste mundo. Prometeram informar-nos sobre tudo, mas fecharam-se em copas e o assunto foi lançado para o buraco do esquecimento. Sobrou o costume de umas bagatelas.
Tem graça; fugas são fugas, mas, pintadas como “leaks”, são outra loiça. “Leaks”, diz o dicionário, são fugas, perdas, vazamentos através de buracos, mas preferimos falar em inglês (insisto: temos alma de colonizados). Chamam-lhes Wiki Leaks, Malta Leaks, Lux Leaks, Swiss Leaks, Football Leaks. É um fartar de “leaks” em todas as latitudes. Também podem ser invocadas como provindas de Snowden, Assange, Rui Pinto – denunciantes clandestinos que, apesar de proscritos, são legitimados pelo interesse público das suas revelações de podres de governar, gerir e fazer dinheiro.
E o “Luanda Leaks”? O deus-dinheiro de Angola também era dono daquilo tudo e deambulava à vontade pelo nosso país. Cá em baixo, na rua, todos sabíamos. Além de outras notícias, bastava saber das peregrinações a Luanda de empresários e políticos portugueses que antes se destacavam pelo apoio à UNITA – quando esta tinha dinheiro. Viraram-se, depois, para as pistas novas e, de cá para lá e de lá para cá, entenderam-se com mútuas vantagens.
O Estado português tem um bico de obra explosivo entre mãos. Que fazer com Rui Pinto, o genial denunciante (“pirata”?) enclausurado que forneceu os registos da pólvora do mal? Os crimes de que o acusam são coisa pouca, face ao valor e interesse público excecional do que nos deu. O último “crime” foi despachado favoravelmente pela UEFA e bateu duramente no Manchester City, propriedade de um xeque das Arábias.
Na realidade, o que os Estados não fazem, por muitas razões, entre elas por decisão própria, há quem o faça fora dos circuitos legais, também por muitas razões e, que eu saiba, quase todas (até ver) pelo bem público. Viciados em informática, empunham as suas engenhosas picaretas e tornam-se corsários que desnudam fundas entranhas do mal. O processo é invasivo (só assim!) e tem cravado as setas dos seus canhões em gente de muito dinheiro sujo, mas muito bem enquadrada social, económica e politicamente.
Convenhamos: o Estado português está metido num grande berbicacho. Talvez venha a fazer ouvidos de mercador, na linha do que tem feito, por exemplo, com as violações dos segredos de Justiça. Segredos que, diga-se de passagem, também são “leaks” (chamam-lhe violações) e parece não terem importância, pois disfarçam-nas como se violar fosse crime autorizado. Para mais, há suspeitas fundadas de que os seus autores pertencem a ofícios de fazer justiça. Enfim, são fugas que, sendo ilícitas ou ilegais ou ilegítimas, não contam para a ilicitude, para a ilegalidade, e para a ilegitimidade.
Isto anda tudo (a)variado. Como reza o ditado, ande-se quente e ria-se a gente.
Artigo publicado no dia 27 de Fevereiro de 2020 na rubrica “Cata-Ventos” do semanário “A Reconquista”
Nasce em Castelo Branco em 1944. Em 1961 vai estudar Físico-Químicas para a Universidade de Coimbra onde com a crise e a repressão académicas nasce a sua consciência política. No ano de 1969 integra os quadros do Serviço Meteorológico Nacional. Mobilizado para a Guiné Bissau, consegue no entanto ser destacado para Timor-Leste, onde permanece entre 1973 e 1974 a chefiar o Serviço Meteorolóqico.
Em 1984 passa a ser um dos rostos da informação meteorológica na RTP, e dez anos mais tarde da TVI, onde permanece até 1998. Regressa à sua cidade natal em 2002 para tentar desenvolver um projeto-piloto de regionalização de atividades meteorológicas.
É autor dos livros “Mudam os Ventos Mudam os Tempos – Adagiário Popular Meteorológico” (1996), “Voltar a Timor” (1998), “Podia Ser de Outra Maneira (2000) e dos livros de poesia "Corpo Aberto" (2016) e "De muitos ventos e utopia" (2018).
Com um currículo extenso, podemos resumir a vida do “poeta do tempo” como: meteorologista e cidadão no tempo que lhe calhou nesta vida de entre duas noites.Em 1984 passa a ser um dos rostos da informação meteorológica na RTP, e dez anos mais tarde da TVI, onde permanece até 1998. Regressa à sua cidade natal em 2002.
É autor dos livros “Voltar a Timor” (1998), “Podia Ser de Outra Maneira (Imagem do Corpo)” (2000), e da antologia “Mudam os Ventos Mudam os Tempos – Adagiário Popular Meteorológico” (2002).
Com um currículo extenso, podemos resumir a vida do “poeta do tempo” como: meteorologista e cidadão no tempo que lhe calhou nesta vida de entre duas noites.