Plásticos para que vos quero!

Que pena! Andávamos tão contentes da vida. O mundo em plástico é outra loiça. Uma variante de “La Vie en Rose” na voz de Edith Piaf e, de outro jeito, também incomparavelmente, na de Louis Armstrong. Andávamos tão felizes. Já não havia cartuchos na mercearia da esquina para levar um quilo de arroz, ou de açúcar, e uma meia-dúzia de papos-secos. Já não era preciso cortar árvores para produzir o papel pardo que os enrolava. Passámos a frequentar hipermercados e a encher-nos de sacos de plástico; era o máximo que se podia arranjar numa catedral de consumo – “A Caverna” lhe chamou o romance de Saramago.

O mundo tinha avançado para o melhor dos mundos com modernidades ornamentadas pelo plástico. Sofás, automóveis, comboios, aviões, sei lá até onde mais alto no espaço astral. E todas as miudezas a caberem em sacos, saquinhos, contentores de todos os tamanhos. Uma macieza limpinha estampada em pastas, pastinhas, computadores, canetas, máquinas de barbear, óculos; até no tapete e no rato que ajuda a afixar estas letras. E nos queridos telefones e televisores e respetivo comando… tudo abençoado em ambiente de flores e árvores de plástico. E pratos, copos, ventoinhas, peixe, carne, legumes, bonecas, brinquedos, bem embalados e combinando com o que dizem os anúncios. Um conforto, um grande passo tecnológico e um salto gigantesco da humanidade.

Tudo era progresso, civilização, limpeza com estes produtos sintéticos agraciados pelo petróleo. Não imagino como foi possível a uma civilização tão avançada, como a do Império Romano, viver sem petróleo e, sobretudo, sem o nosso querido plástico. Mesmo assim, a julgar pelos vestígios, demonstrou ter uma enorme … plasticidade.

De súbito, o mundo revolve-se à beira (ou já dentro?) de um abismo – está afogado em plástico. Até o nosso Portugalzinho aspirava poder corresponder à provocação dos versos de Alexandre O’Neill: “Ó Portugal, se fosses só três sílabas /de plástico, que era mais barato!”

E agora, mundo, como vai ser? Já não bastava ter de abandonar os combustíveis fósseis e as centrais nucleares. Também terá de fugir do plástico? Civilização esta – o que andou a fazer este tempo todo? Como nos casos da energia nuclear e dos gases com efeito atmosférico de estufa, teve de ver (para crer) a lixeira em que transformaram o seu viver. São milhões de coisas de plástico a voar, a nadar e a misturar-se com o solo. E nem falo dos mares. Lixo em camadas no fundo do oceano ou a flutuar na crista das correntes, entrando pela boca dos peixes e, dizem investigações, pela boca do respirar.

Afinal, o que nos tem dado conforto é lixo. Lixo prático, maleável, não degradável, não renovável, com longevidade. Lixo que se vai adicionando a mais lixo na atmosfera, no mar e em terra. Pensando bem, vivemos como na Idade Média em que o lixo era atirado para as ruas de onde calhava. Com a diferença de que, agora, as ruas são o planeta e já sabemos que quem mais sofre não é quem mais lixo faz e deita fora.

E agora? Agora, não sabem o que fazer. Não bastava o mal viver e o mal fazer que tricotam os tecidos deste mundo. Não bastava os americanos andarem a colocar os seus plásticos, a céu aberto, nos países mais pobres do mundo. Não bastava que o nosso país também importe lixo. Não bastava que o acordo de Paris sobre o aquecimento global não vá dar o que é preciso que dê. Não bastava Fukuchima, Almaraz, terras de lítio, armazéns subterrâneos de gás, explorações de mais petróleo, Amazónia, etc, etc.

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Nasce em Castelo Branco em 1944. Em 1961 vai estudar Físico-Químicas para a Universidade de Coimbra onde com a crise e a repressão académicas nasce a sua consciência política. No ano de 1969 integra os quadros do Serviço Meteorológico Nacional. Mobilizado para a Guiné Bissau, consegue no entanto ser destacado para Timor-Leste, onde permanece entre 1973 e 1974 a chefiar o Serviço Meteorolóqico.
Em 1984 passa a ser um dos rostos da informação meteorológica na RTP, e dez anos mais tarde da TVI, onde permanece até 1998. Regressa à sua cidade natal em 2002 para tentar desenvolver um projeto-piloto de regionalização de atividades meteorológicas.
É autor dos livros “Mudam os Ventos Mudam os Tempos – Adagiário Popular Meteorológico” (1996), “Voltar a Timor” (1998), “Podia Ser de Outra Maneira (2000) e dos livros de poesia "Corpo Aberto" (2016) e "De muitos ventos e utopia" (2018).
Com um currículo extenso, podemos resumir a vida do “poeta do tempo” como: meteorologista e cidadão no tempo que lhe calhou nesta vida de entre duas noites.Em 1984 passa a ser um dos rostos da informação meteorológica na RTP, e dez anos mais tarde da TVI, onde permanece até 1998. Regressa à sua cidade natal em 2002.
É autor dos livros “Voltar a Timor” (1998), “Podia Ser de Outra Maneira (Imagem do Corpo)” (2000), e da antologia “Mudam os Ventos Mudam os Tempos – Adagiário Popular Meteorológico” (2002).
Com um currículo extenso, podemos resumir a vida do “poeta do tempo” como: meteorologista e cidadão no tempo que lhe calhou nesta vida de entre duas noites.

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