XVII
A cena aconteceu pouco antes do fim do espectáculo. Solange dirigiu-se para o centro da sala. Um olhar lupino agarrava-se às suas curvas. Era um jovem, de cabelo espetado que fazia lembrar um ouriço, baixote e seco de corpo, de olhos azuis e frios, com cara de quem come muitos fritos. Solange fixou-se na sua cara enquanto fazia um último movimento e ele pensou que havia ali uma corrente eléctrica entre os dois. Tal não indicava forçosamente o que se seguiu, ela não podia imaginar. Enquanto ela dobra um pouco o tórax e o cabelo lhe oculta a face, o baixote com a mente estiolada, estendeu os braços, abriu as palmas das mãos como um tubarão branco e atacou-lhe as mamas, como se estivesse a colher mangas. Foi como se um peixe-voador tivesse caído na coberta de um barco. A trintena de pessoas na sala exclama com aquela valsa de perversidade. O homem era baixo mas tinha umas manápulas e agarrou-se às mamas, até que Solange se liberta daquela investida taurina com um safanão a tempo. No meio daquela multidão saltou um invertebrado de falo erecto metaforicamente falando. Já tinha feito danças em lugares mais propícios a confusões e ficou petrificada com aquela peixeirada que transformava o seu espetáculo num grotesco acto de um solista assassinado no palco do Grand Guignol parisiense. Ela estava em choque. O público ficou a assistir, homens e mulheres completamente impávidos, numa adoptada neutralidade de quem acredita que tudo aquilo é parte do espetáculo grotesco. Apesar de ter sacudido o homem, este não se espojou e ajeitou-se para dar mais uma sortida chamando-lhe nomes. Solange sabia defender-se, dominava a arte de dar pontapés nos testículos, estudou técnicas diferentes para aplicar com precisão e agora tinha de passar da teoria à prática, sem qualquer ressentimento pelas partes íntimas, pisoteou-o, ou ficou visto, tentou, e com isso saltou-lhe o sapato para o público como um dardo, assim, em vez de espalmar os tintins do baixote bexigoso tinha feito um gesto que levantou uma enorme gargalhada. Era insuportável, mais insuportável do que um pontapé nas bolas. Sentiu num minuto a perda da sua dignidade, num clube cultural tão selecto, moderno, muito elogiado nos circuitos alternativos, a sua dignidade fora esfrangalhada num minuto.
Com raiva incontinente Tiago salta do balcão jactante, com o impulso, qual lança projectada, penetrou os cinco metros até ao palco, onde Solange tentava sem efeito, com destreza tola, dominar o molestador e aplicar-lhe um correctivo. Foi nesse momento que se deram os primeiros urros e o alarme geral, aconteceu num minuto, nada daquilo era uma encenação.
O inimigo estava de costas, o seu ângulo morto, e Tiago preparava-se para executar o mata leão que tinha aprendido toscamente no ginásio, como se o atacante fosse um boneco aproximava-se por detrás dos gritos silvestres do público, transformara-se num tipo suficientemente louco para ousar atacar assim, porque o outro, o grande porco, tinha-se agarrado às mamas de Solange, e tinha de ser despachado para a estratosfera. Não observou que um espelho o denunciava enquanto se aproximava do homem das manápulas. Este viu a imagem de Tiago projectada no espelho e virou-se, dando-lhe um gancho que se denunciou nas fibras do seu corpo eriçado. Tinha-lhe ferido o queixo, mas Tiago reanimou-se com a constância de lutar ainda mais, e deu-lhe uma bofetada nas trombas, estridente como quem bate um bife. Seguiram-se murros, estavam atolados um no outro, naquela lama de machos cobridores, enquanto Solange fugia para o camarim, em pânico, seminua, tinha apenas uma tanga, que era uma fita adesiva, e correu espavorida. Estavam para lutar sem tréguas como cães raivosos, inconscientes das sequelas, até aos limites da dor, da honra e dos hematomas. Foram separados. A confusão durou alguns minutos a acalmar.