A máquina capitalista

Tolstói afirmou que “não alcançamos a liberdade na procura da liberdade mas da verdade. A liberdade não é um fim, mas uma consequência”. Liberdade de ser, de existir, de viver. Tudo começa com o reconhecimento de quem somos, da verdade sobre a nossa essência.
"Os Tempos Modernos" (1936), de Charlie Chaplin
“Os Tempos Modernos” (1936), de Charlie Chaplin

A sociedade praticamente exige perfeição de seres humanos imperfeitos, cria expectativas e objectivos que, se não atingidos, somos rotulados de fracasso. E durante esta insistente procura de satisfazer as necessidades de uma sociedade, perdemos a verdade de quem somos, colocamos de lado o que não se enquadra. Esquecemos a importância de ouvirmos a nossa alma, o que nos faz sentir vivos, tudo em prol de atingirmos as metas impostas por um modelo capitalista, onde somos, na realidade, apenas mais um número.

E com o passar do tempo estas metas torna-se nossas, porque se é isto que é esperado de nós, se são estas as regras do jogo, temos de as internalizar. E a nossa verdade fica perdida num pântano capitalista que não hesita em nos consumir.

A nossa liberdade fica limitada pela necessidade de existir e para tal, temos de continuar a jogar este jogo viciado. Caso contrário, como poderemos sobreviver, adquirir produtos que não precisamos, trabalhar incessantemente, pagar as contas, fazer o responsável e expectável, num ciclo vicioso que enterra cada vez mais a nossa verdade, aquilo pelo qual a nossa alma realmente grita. Sonhos esquecidos e tempo perdido em prol do enriquecimento dos poucos que alimentam os muitos com meras migalhas e miragens.

As correntes continuam nos nossos pulsos e a nossa liberdade condicionada pela necessidade monetária para subsistir. A nossa verdade cada vez mais distante e o senso de que realmente nos faz sentir vivos, cada vez mais reprimido. Tudo para continuar a alimentar a máquina capitalista.

Como disse Cecília Meireles (poetisa, professora, jornalista e pintora brasileira), “liberdade de voar num horizonte qualquer, liberdade de pousar onde o coração quiser”. A verdadeira liberdade, a nossa verdade, é um entrave para este mundo que gira em torno do lucro, do material, pagando com o sofrimento e dor de muitos para a conveniência dos poucos que estão no topo desta pirâmide.

Somos mais do que meras formas de manter esta máquina capitalista a funcionar, e só quando olharmos para a nossa verdade, então sim, poderemos agarrar a nossa derradeira liberdade e alcançar o que nos faz realmente sentir vivos e o que realmente importa, porque valemos muito mais do que aquilo que esta máquina capitalista nos faz acreditar.

Citando “Praticamente inofensiva” de Douglas Adams, “os Homens sempre se consideraram mais inteligentes que os golfinhos porque conquistaram tanta coisa – a roda, Nova York, as guerras, etc. –, enquanto os golfinhos só sabiam nadar e se divertir. Porém, os golfinhos, por sua vez, sempre se acharam muito mais inteligentes que os Homens – exatamente pelos mesmos motivos”.

Elisabete Frade/Shenhua
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Nasceu em Évora em 1981 e desde então passou por Arraiolos, Mem-Martins, Coimbra, Lisboa e Viseu.

Tirou um curso profissional de Turismo, um curso de Inglês para Empresas e uma Licenciatura em Relações Internacionais, especializando-se em Estudos Europeus, estagiando na Câmara do Comércio da Itália.

Morou quase uma década na Holanda, trabalhando numa empresa internacional organizadora de conferências para empresas e, mais tarde, na área da tradução para empresas internacionais e privados, tendo ido viver para a Escócia.

Regressou a Portugal e desde então é a cuidadora informal da sua mãe idosa.

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