Depressão – Uma espécie de monstro

Todos ouvimos falar sobre depressão, mas sabemos realmente como realmente é? Temos a noção que este problema está cada vez mais presente na nossa sociedade?
Imagem de Anemone123 por Pixabay
Todos ouvimos falar sobre depressão, mas sabemos realmente como realmente é? Temos a noção que este problema está cada vez mais presente na nossa sociedade? Este sentimento “sem nome” que te consome intrinsecamente, e, silenciosamente, devasta tudo até não restar mais nada. E não é por não ser uma doença “visível” que a torna menos perigosa ou relevante.
A OMS estima que a depressão será a doença mais comum em 2030, atingindo 44% da população mundial, com Portugal entre os países com o número mais elevado da União Europeia.
O Público refere que 42% dos jovens padecem de transtornos mentais e a Sic Notícias estima que 3 em cada 10 portugueses já foram diagnosticados com depressão.
De acordo com a OCDE, 22% da população mundial e 16.7% da população da União Europeia sofre de transtornos mentais. E este número tende a aumentar.
No primeiro trimestre de 2022, foram vendidos 10.9 milhões de ansiolíticos, sedativos e antidepressivos em Portugal, havendo um aumento de 4.1% desde o mesmo período do ano anterior, tornando Portugal um dos países com maior prevalência do número de doenças psiquiátricas (700 mil portugueses vivem com sintomas depressivos, incapacidade de sentir prazer nas actividades diárias, um constante sentimento de tristeza profunda e sentimento de vazio).
A OCDE estimou que, desde 2000 a 2020, houve um aumento de 304% no consumo de antidepressivos em Portugal, ocupando atualmente a 5ª posição na União Europeia.
De acordo com a psiquiatra Inês Homem de Melo, a dificuldade de acesso a cuidados de saúde, a falta de profissionais de saúde mental não-médicas no SNS (sobretudo psicólogos), a situação adversa do país resultam em 64.2% de pessoas que não obtiveram qualquer tipo de tratamento. Afirma também que a procura de ajuda é menor para quem não tem suporte familiar, pessoas com menor literacia e quando se trata do género masculino (devido a uma incapacidade de assumir uma posição de vulnerabilidade).
O género feminino está duas vezes mais passível de ter depressão mas o número de suicídio é três vez maior no género masculino.
Para alguém com depressão, eventualmente chega ao ponto onde só há duas vias: viver em sofrimento excruciante ou o suicidio.
Depressão não é um mero sentimento de tristeza. Todos nós já nos sentimos em baixo ou tristes, faz parte da vida. A depressão é algo mais. Um sentimento de desesperança, de onde não há saída, olhar para o espelho e sentir-se como um fardo para os outros ou que a sua morte seria mais benéfica para os outros do que a sua vida, resultando em mais isolamento, e, muitas vezes, recorrendo a álcool ou drogas. A ideia de morte torna-se cada vez mais apetecível e torna-se num tópico recorrente, com frases como “quando cá não estiver”. O indivíduo com depressão pode também começar a tratar de assuntos relacionados com a sua morte, nomeadamente cartas de despedida, oferecer objectos pessoais e de valor ou tratar de assuntos relacionados com o seu funeral ou morte.
Inês Homem de Melo constata que esta doença afecta qualquer indivíduo, independentemente da idade, estatuto socioeconómico, etnia ou profissão. É uma doença sem preconceitos, cujo único objetivo é consumir toda a luz do indivíduo, até nada restar, apenas fragmentos do que antes era.
Também menciona alguns factores de risco como o risco genético, psicossocial (como o desemprego, pobreza, violência, migração, perdas, abuso sexual, entre outros). Quando a tristeza deixa de ser algo normal e se torna num vazio, desprovido de qualquer esperança, então a doença está a ganhar. Porque tristeza não é sinónimo de depressão, mas assume um carácter persistente, invasivo, dominando toda a parte intrínseca do indivíduo e afeta toda a sua funcionalidade.
Esta tristeza é acompanhada da perda de interesse em atividades onde anteriormente o indivíduo sentia prazer, diminuição de energia, sentimentos de culpa, dificuldades de concentração, alteração do apetite, padrões de sono e desejo sexual.
Para a psiquiatra, é necessário que haja mais profissionais de saúde mental, um acesso mais fácil aos cuidadores de saúde mental e menor desigualdade e mais iniciativas de prevenção. A falta de literacia em saúde mental cria um estigma em torno desta doença, que por si, já isola e faz com que o indivíduo se sinta indesejado e culpado, tornando este tema num tabu e delicado.
De acordo com estatísticas da Ordem dos Psicólogos, quase 800 mil pessoas se suicidam todos os anos, 3 pessoas por dia em Portugal e 1 pessoa a cada 40 segundos a nível mundial. De acordo com o psicólogo Miguel Ricou, indivíduos mais impulsivos e assertivos correm mais risco de suicídio e afirma “não gosto da ideia de que uma pessoa queira chamar à atenção ao dizer que lhe apetece matar-se. Estas pessoas estão em enorme sofrimento”. Acrescenta “as pessoas que referem a morte não se matam mais do que as que não falam disso”.
Os jovens homossexuais ou bissexuais têm uma probabilidade três vezes maior de se suicidarem, muito devido ao facto da família não aceitar a sua orientação sexual.
Ricou diz que “a saúde mental é vista como uma pequena área que se pode adiar mas ter dificuldades, procurar ajuda e essa ajuda não existir, é muito dramático”.
Um sentimento de vazio, sem esperança ou saída com sentimentos de culpa ou vergonha, sem motivos para se viver é um inferno pessoal, onde o indivíduo rasteja todos os dias, pois não é viver, nem sequer sobreviver, é simplesmente esperar por uma saída, onde se consiga finalmente respirar, após tanto tempo a sufocar.
O indivíduo cria uma distância emocional, um afastamento da vida em geral, agindo de forma indiferente perante situações emocionais.
Existem vários tipos de depressão. Um tipo de depressão muito pouco falada é a depressão “sorridente”, ou seja, indivíduos capazes de sorrir, viver momentos alegres mas que, no fundo, estão quebradas e com pensamentos suicidas.
Robin Williams, que se suicidou a 11 de Agosto de 2014 afirmou: “acho que as pessoas mais tristes tentam sempre alegrar os outros, porque sabem como é se sentirem inúteis e não querem que ninguém se sinta assim”. Acrescenta que “basta um belo sorriso falso para esconder uma alma magoada e nunca ninguém notará o quão quebrado realmente estás”.
Este tipo de depressão, chamada clinicamente de depressão atípica, é muito perigosa e de acordo com Olivia Remes, especialista de ansiedade e depressão da Universidade de Cambridge, é extremamente desafiante. Há uma dificuldade em ser identificada devido a uma máscara sorridente com “falsas” demonstrações de felicidade. Normalmente nunca pensaríamos que tal indivíduo estaria deprimido, quer seja por ter trabalho, família, amigos, casa, cônjuge e até filhos mas também porque a sua postura e personalidade é social e divertida.
Há momentos de melhorias temporárias do estado de ânimo devido, por exemplo, a boas notícias, mas é seguido de uma recaída. Remes afirma que “a força que demonstram para seguir com a vida diária deixa-os mais vulneráveis a levar a cabo pensamentos suícidas”. O sorriso é a forma de demonstrar desespero, o desejo de fugir de uma grande dor interior. E é muitas vezes acompanhada de um plano suicida, que vai sendo formado ao longo do tempo.
Muitas pessoas ainda escondem a sua depressão, pois acham que será considerada como uma forma de vitimização ou chamada de atenção. Em combinação com o medo e omissão dos seus sentimentos (ou falta deles), torna viver com uma depressão atípica um desafio angustiante, que chega eventualmente a um ponto crítico resultando, em muitos casos, numa apatia emocional.
A apatia emocional é uma perda de interesse de forma generalizada, onde o indivíduo fica indiferente aos acontecimentos da sua vida, quer sejam positivos ou negativos; uma ausência de sentimentos, emoção ou entusiasmo. Um mero corpo, desprovido de qualquer emoção, a fazer o que tem de ser feito no seu dia a dia.
Muitas vezes a depressão está interligada com a ansiedade, ou seja, uma apreensão ou preocupação exagerada e medo ou pânico irracionais.
Também está ligada a atos de automutilação, actos não suicidas que causam dor ou danos superficiais no próprio corpo, como perfurar a pele com objectos, queimar a pele ou tricotilomania, por exemplo.
Sócrates, filósofo grego, criou a teoria das três peneiras ao receber e passar informação, ou seja, verificar a sua veracidade, a sua bondade e a sua necessidade. Penso que deveríamos adaptar esta teoria quando lidamos com o nosso próximo. Três peneiras, ouvir, entender e não criticar, julgar ou atacar. Nunca sabemos o que se passa dentro de outra pessoa ou como as nossas palavras ou actos podem impactar alguém. Citando o Dalai Lama: “Se puderes, ajuda os outros; se não o puderes fazer, ao menos não lhes faças mal”.
Então, o que realmente é a depressão? Chester Bennington, que se suicidou a 20 de Julho de 2017, resumiu a sua definição na perfeição: “Não é algo do tipo, hoje estou triste mas sim, não quero fazer nada, não gosto de nada. Não há um lado bom. É como se dissesse que simplesmente morreria mas não é como se me fosse matar. É ir para uma divisão da casa e não fazer nada; não comer, não beber. Ficar ali, sem fazer nada, até morrer. Isso é depressão”.
Elisabete Frade/Shenhua
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Nasceu em Évora em 1981 e desde então passou por Arraiolos, Mem-Martins, Coimbra, Lisboa e Viseu.

Tirou um curso profissional de Turismo, um curso de Inglês para Empresas e uma Licenciatura em Relações Internacionais, especializando-se em Estudos Europeus, estagiando na Câmara do Comércio da Itália.

Morou quase uma década na Holanda, trabalhando numa empresa internacional organizadora de conferências para empresas e, mais tarde, na área da tradução para empresas internacionais e privados, tendo ido viver para a Escócia.

Regressou a Portugal e desde então é a cuidadora informal da sua mãe idosa.

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