Uma epidemia chamada solidão

Nunca fomos tantos e nunca nos sentimos tão sós.
Imagem de Jose Antonio Alba por Pixabay

De acordo com a ONU, a população mundial atingiu em 2022 os 8 biliões. Em 2024, já ultrapassamos essa marca. Nunca fomos tantos e nunca nos sentimos tão sós.

Numa realidade que envolve crises económicas e políticas, guerras, fome, alterações climáticas e tantos outros flagelos, a solidão passa despercebida. Mas não deixa de ser relevante. Com a pandemia, os números duplicaram e Portugal ocupava o 6º lugar da União Europeia.

De acordo com um estudo publicado em 2020 pela Comissão Europeia, 21.9% dos portugueses sente-se só, tendo subido 15.3% desde 2016. Com a contribuição da pandemia de Covid 19 e o consequente isolamento, a verdade que se escondia pela ocupação profissional e formas de distração, veio à tona: não criamos conexões humanas relevantes e enriquecedoras, tendo, maioritariamente, relações humanas superficiais.

Em 2022 foi publicado o relatório da Gallup Global Emotions que constou de 330 milhões de adultos passa, pelo menos, 2 semanas sem falar com único amigo ou familiar e 1 em cada 5 pessoas sente que não tem ninguém com quem contar.

De acordo com o Reputation Circle, em 2021, 33% dos portugueses sentia-se excluído por outras pessoas, tendo relações sociais meramente utilitárias. Com pouco apoio familiar, mais isolamento e com a crença que é possível ser-se independente e autónomo sem pedir ajuda.

Aqui ao lado, em Espanha, a Fundación ONCE determinou que 13.4% da população sofre de solidão, com falta de convivência ou apoio familiar ou social (57.3%). Para tal conta a distância de residência (11.9%), deixar de conviver com quem se convivia habitualmente (10.5%), uma incompreensão por parte dos outros (8.2%) e excesso de trabalho (6.2%).

Em Portugal, com base nos Censos de 2021, 24.8% das pessoas vivem sozinhas, sendo que a população no interior se encontra cada vez mais isolada.

A OMS declarou, em 2022, a solidão como uma preocupação global de saúde pública, sendo associada a um aumento de 50% de possibilidade de demência e 30% de acidentes vasculares cerebrais e doenças cardiovasculares.

Há, de facto, um grande impacto na saúde física e mental. Está associada a uma taxa de mortalidade mais alta, depressão, declínio cognitivo, saúde cardiovascular, pressão arterial e colesterol, doenças coronárias, distúrbios do sono e abuso de substâncias (muita pessoas optam por esta via para se adormecerem emocionalmente ou para fugirem da realidade).

De acordo com um estudo da SNS, que se focava na faixa etária dos 50 aos 101 anos, foi verificado que o sentimento de solidão aumenta com a idade, sendo muito frequente em indivíduos viúvos, sendo que 91% dos idosos já sentiram algum grau de solidão.

A solidão na faixa etária idosa aumenta o risco de demência, Alzheimer, pensamentos negativos, dificuldade de concentração, de resolução de problemas e tomadas de decisão, causando estigma e uma sensação de inaptidão social.

A solidão faz com que as pessoas se isolem, criando um ciclo vicioso onde a pessoa se isola e sente cada vez mais só e sente-se cada vez mais só porque está isolada. De acordo com a psicóloga Marta Calado, “as experiências negativas nas relações com os outros” é um grande factor para o isolamento. A psicóloga Ana Valente acrescenta “viver sozinho, condições económicas mais frágeis, doenças que condicionam a mobilidade, ser cuidador informal, viuvez, desemprego, o local onde se vive e se se está ou não perto dos outros” são alguns exemplos dos gatilhos que levam ao isolamento. Com um vazio constante e cada vez maior dentro do indivíduo, olha para os outros e vê as suas vidas preenchidas, ou assim o acha. Lida com emoções de tristeza, decepção e frustração.

Citando “A cabana” de William P. Young, “A maioria dos pássaros foi criada para voar. Para eles, ficar no solo é uma limitação e não o contrário. Assim, para ti, viver como se não fosses amado, é uma limitação e não o contrário. ( …) Viver sem ser amado é como cortar as asas de um pássaro e tirar a sua capacidade de voar. (…) A dor tem a capacidade de cortar as nossas asas e nos impedir de voar. (…) E, se essa situação persistir por muito tempo, poderás quase esquecer-te de que foste criado originalmente para voar.”.

Num mundo capitalista, onde passamos a maioria do tempo a trabalhar, com pouco tempo para nos dedicarmos a quem amamos e criarmos conexões reais entre o nosso semelhante, onde o ódio, a ganância e o rancor está cada vez mais visível, esquecemo-nos, ou simplesmente não conseguimos encontrar o tempo, para alimentarmos a nossa alma junto de quem nos compreende e ama. As relações sociais superficiais resultam durante um tempo, mas eventualmente requeremos de algo mais. Pessoas que falem a nossa língua, que nos compreendam e com quem tudo se torna mais fácil. Este é um lado da solidão, a solidão acompanhada, onde temos pessoas à nossa volta mas não nos sentimos realmente integrados ou até rejeitados.

Um conflito interno, uma ambiguidade emocional com impacto psicológico e comportamental, esclarece a psicóloga Marta Calado. E acrescenta que “a solidão associa-se a psicoterapias, como ansiedade, depressão e stress (…), podendo resultar em alterações nos padrões do sono e apetite; a pessoa pode chorar, sentir tristeza e ter pensamentos intrusivos e constantes que a levam a pensar não ser suficiente e interessante para os outros.”.

O outro, é simplesmente não ter a quem recorrer. Família, amigos ou até alguém com quem conversar. Com a desertificação do interior, esta é a realidade de muitos. Nas cidades, estamos todos demasiado ocupados e numa correria para pararmos e olhar à nossa volta e ver a tristeza que reside nos olhos das pessoas. Não há tempo, temos de trabalhar, fazer compras, fazer o jantar, dormir e voltar a repetir tudo no dia seguinte. E para trás fica tudo o resto e eventualmente, esse resto, torna-se demasiado necessário para ser ignorado.

Nos Países Baixos foram criadas caixas lentas, ou seja, caixas de supermercado onde os idosos podem conversar com os funcionários, para combater a solidão.

No Japão há uma plataforma online onde se pode alugar um amigo para comer, beber, conversar e até viajar.

Com cada vez mais pessoas a sofrerem de distúrbios mentais, a solidão é um dos grandes contributos para se chegar ao ponto onde a morte não parece assim tão má; Citando Jim Morrison “as pessoas temem mais a morte do que a dor. É estranho que tenham medo da morte. No ponto da morte, a dor acaba”. E é a este ponto que muitos chegarão se este flagelo da solidão não for levado a sério e se perdermos a nossa empatia e humanidade.

Pergunto, que mundo é este e qual o futuro que nos espera? Talvez devêssemos parar por um momento e simplesmente dizer bom dia a quem encontramos na rua, dar 5 minutos do nosso tempo ao idoso do bairro, olhar nos olhos de quem está em sofrimento e dizer estou aqui para te ouvir. Num mundo sempre em evolução, temo que nos tornemos cada vez mais ocupados e cada vez menos sensíveis uns para os outros, substituindo o calor humano pela companhia da Internet e redes sociais. Mas se há algo que o confinamento devido à pandemia de Covid 19 provou foi que tal solução não funciona, porque tal como os pássaros foram feitos para voar, o ser humano foi feito para amar.

Citando Friedrich Nietzsche “quando se vive só, não se fala muito alto, também não se escreve muito alto; receia-se o eco, o vazio do eco, a crítica da ninfa Eco; a solidão modifica as vozes”.

Elisabete Frade/Shenhua
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Nasceu em Évora em 1981 e desde então passou por Arraiolos, Mem-Martins, Coimbra, Lisboa e Viseu.

Tirou um curso profissional de Turismo, um curso de Inglês para Empresas e uma Licenciatura em Relações Internacionais, especializando-se em Estudos Europeus, estagiando na Câmara do Comércio da Itália.

Morou quase uma década na Holanda, trabalhando numa empresa internacional organizadora de conferências para empresas e, mais tarde, na área da tradução para empresas internacionais e privados, tendo ido viver para a Escócia.

Regressou a Portugal e desde então é a cuidadora informal da sua mãe idosa.

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