Quando os Europeus entraram em contacto com as tradições culturais dos nativo-americanos, houve um óbvio choque entre conceitos de família. Para além do papel matriarcal da mulher na tribo, a descendência era baseada no lado da mãe. A relação entre a tribo e as crianças era baseada em afecto e a sua educação não se baseavam no castigo ou violência.
Portanto, duas visões bastante diferentes do conceito de família.
Os valores familiares são mutáveis na sua essência, visto que uma família é composto por indivíduos com a sua própria verdade, visão do mundo, aspirações e conceitos. Uma multitude de visões que não se podem resumir a um único conceito generalizado, pois tal é incompatível.
Citando Confúcio, “para colocar o mundo em ordem, temos primeiro que colocar a nação em ordem; para colocar a nação em ordem, temos primeiro que colocar a família em ordem; para colocar a família em ordem, temos que cultivar a nossa vida pessoal; e para cultivar a nossa vida pessoal, temos que, em primeiro lugar, colocar os nossos corações ordem”. E aí reside o problema. Quando não aceitamos a pluralidade e diversidade da sociedade, a própria essência individual e única que a compõe, quando a nossa necessidade de superioridade (alimentada por uma grave falta de autoestima) é a única forma de alimentarmos o nosso ego, começamos a ver a diferença como uma ameaça.
Como afirmou Aleph K. Wagner, “o que chamam de família tradicional é meramente a perpetuação dos nossos jogos de poder. Criamos os nossos filhos apenas para exercitar o poder. Eles não são para o mundo, são para a nossa estimação. Levarão os estigmas da nossa estupidez e não o valor dos nossos conhecimentos. Essa educação é apenas ocultação do mundo sob o medo de perdermos esses pequenos objetos das nossas vaidades”. Os nossos filhos não são uma extensão de nós próprios. São seres independentes, com as suas características individuais e o seu próprio caminho. Não nos pertencem mas sim a si próprios. E, o que muito habitualmente se verifica, é a passagem de ideais e conceitos como se fossem os correctos, muitas vezes até impedindo que as crianças desenvolvam a sua verdadeira essência ou criando um conflito interno entre o que lhes é dito ser o correcto e o que realmente são.
Quando uma criança pinta fora das linhas, são repreendidas ao invés de apoiadas, acarinhadas e incentivadas a explorarem a sua individualidade única. Não é educando uma criança, cuja mente é terreno fértil, limitando o mundo a meramente duas cores, mas sim mostrando a imensidão e diversidade de cores que o mundo tem, que iremos quebrar o ciclo e dar azo a uma nova geração de individualidades únicas e insubstituíveis na sociedade. Não porque são todos iguais, mas porque são todos diferentes, com características únicas, resultando numa sociedade que, não só rema para o lado da aceitação e fraternidade, mas rejeita a disfunção e rejeição outrora tão presente no seio familiar.
Uma família deve encorajar, não cortar as asas dos seus membros. Mas a tirania, despotismo, narcisismo, abuso e preconceito presente em muitas famílias ditas tradicionais, mutilam as novas gerações, tornando-as igualmente disfuncionais.
Não tenho filhos, mas tenho dois sobrinhos que amo como se fossem meus filhos e o que mais almejo para o seu futuro, é que sejam fiéis a quem são e que sejam genuinamente felizes no seu caminho. Devo dizer que são dos melhores seres humanos que conheço e sei que, caso decidam ter filhos, irão lhes transmitir valores como a igualdade, compaixão, compreensão, dignidade, respeito ao próximo e liberdade, e esses são os valores que deveriam de ser tradicionais.
Citando “A Cabana” de William P. Young, “o amor não força nada, ao contrário, ele abre o caminho”, e é isso mesmo que família significa, amor e aceitação do caminho escolhido pelos seus membros.
Elisabete Frade/Shenhua
Nasceu em Évora em 1981 e desde então passou por Arraiolos, Mem-Martins, Coimbra, Lisboa e Viseu.
Tirou um curso profissional de Turismo, um curso de Inglês para Empresas e uma Licenciatura em Relações Internacionais, especializando-se em Estudos Europeus, estagiando na Câmara do Comércio da Itália.
Morou quase uma década na Holanda, trabalhando numa empresa internacional organizadora de conferências para empresas e, mais tarde, na área da tradução para empresas internacionais e privados, tendo ido viver para a Escócia.
Regressou a Portugal e desde então é a cuidadora informal da sua mãe idosa.