Se a verdade está em extinção, conforme ilustrei nos textos anteriores a este, é necessário tomar alguma ação para reverter esta raiz que domina o jardim das grandes inovações: cada um de nós terá de resistir à tentadora certeza, à teimosia de conceber ideias a partir de rascunhos do que é a verdade, insistir em permanecer no desconforto provocado pelo nosso dever de evoluir. A resistência contra “a dúvida que destruirá o mundo” (por Francisco de Abreu Duarte) a ser criada deverá contemplar um escrutínio total a toda e qualquer ação e reação de manipulação contra factos empírica e epistemologicamente validados. Direita ou esquerda democráticas gritam unidade social a uma só voz, discordando apenas nos mecanismos para atingir tal unidade. Claro que o ideal seria uma adaptação total da filosofia política à ação política e evolução contínua do pensamento humano, a trindade da governação, mas enquanto este ponto de viragem para a Humanidade (o Humano solta-se do ninho de certezas onde nasceu e vive e aprende a voar na verdade mutável perante o acrescento de novos conhecimentos, sem dogmas ou ideologias embirrentas perante as emoções que pretende conservar, sejam elas positivas ou negativas) não acontecer, o perigo está no medo de abrir o coração àquilo que sempre rejeitámos, que iludimos como sendo responsável pelo nosso mau estar, sem nunca aceitar que aquilo que nos falta é devido às nossas inações por mudança, por integrar em vez de segregar, por escolher a palavra “nós” em vez “deles”, por abraçar o estado como “o nosso governo” em vez de “este governo”, por encontrar a vontade para realizar o activismo democrático. É mais fácil acreditar que o emprego escasseia devido a forasteiros do que observar a extinção de emprego por parte da tecnologia que agora veneramos como a maior dádiva dos nossos confortos, que para muitos é uma nova religião, uma nova política – porque a mudança está nas ações que realizamos todos os dias, não na rebeldia da abstenção, do votar em branco ou de votar numa oposição embirrenta por parte de um demagogo em busca de poder através da manipulação, a mudança está nos referendos, nos abaixo-assinados, nos protestos e na exposição mediática das injustiças perante o crivo dos espectadores – é a resistência à estagnação que permite a evolução Humana.
Mas como começar a resistência contra a extinção da verdade? Começamos em nós mesmos. Aquele que procura mudança em si mesmo encontra o elo de ligação com a mudança no mundo: só quando atingirmos a mestria dialética, tal como Sócrates procurava realizar diariamente em Atenas nos primórdios da democracia, é que conseguiremos encontrar a verdadeira verdade, deixar cair a máscara do conforto na razão encontrada e usufruir da coragem, a virtude que nos ilumina, a temperança para a verdadeira justiça: a liberdade em plenitude com tudo e todos. Mas o que é a dialética? É questionar apesar de possuirmos argumentos, é ouvir apesar de possuirmos certezas, é alterar as nossas perspetivas apesar de estarmos seguros nessa realidade deturpada pela nossa mente, é pensar num objetivo, questionar para obter a oposição e de ambos nascer a mudança. O verdadeiro político questiona, ouve, realiza, lidera, tudo o resto são sombras que ofuscam a iluminação da verdadeira política, as sombras esfomeadas por poder. Os populistas em ascensão são autênticos narcisistas que encontraram vítimas no colectivo, são veteranos a manipular, a conquistar, a colocar culpas nos outros enquanto se despojam da sua própria culpa – e como bons narcisistas que são, os manipulados estão cegos à monstruosidade que reside naquelas frases, teses, argumentos sofistas, música que os revoltados querem ouvir para confortar a sua necessidade de se ausentarem da responsabilidade pela mudança: é mais fácil exigir a mudança do que participar nela, é mais fácil culpar um inimigo em comum do que um falso amigo que nos manipula, é mais fácil querer um passado confortável que já não existe do que querer evoluir para encontrar um novo conforto mais justo para todos.
Existe uma problemática de origem Humana na pós-modernidade: a desistência. Desistimos da vida, de amar, de procurar justiça, parecemos como que anestesiados a confortos diários, seja a facilidade com que nos deslocamos fisicamente, ou a facilidade com que encontramos comida, ou a simplicidade que é sermos iluminados de instrução mascarada, instrução de desinformação, de factos manipulados que nos são saborosos como comida de plástico, mas totalmente vazios de nutrição para a nossa ética. Observo o repudio ocidental perante o holocausto da segunda guerra mundial, mas algo idêntico acontece em Israel; observo o narcisista Ventura a colocar rótulos absurdos nos seus adversários, em que os lábios vermelhos dele são isentos do seu sangue Humano, pois abomina os seus semelhantes, correndo um líquido frio naquelas veias e artérias e ficando com uns lábios negros como manifesto de luto pelo estado da nação (claramente livra-se da sua responsabilidade, nunca propondo soluções, apenas acusa tudo e todos), o olhar fixado na ambição cega, o que propõe leis mas não está presente para as promulgar, o que inflama a raiva da população contra a corrupção mas a perpetua silenciosamente, o que acusa minorias de roubar dinheiro do estado enquanto clubes oligárquicos desviam quantidades de dinheiro equivalentes ao valor do défice público – é este discurso falacioso, sentimental, cheio de enviesamento, de cegueira (o maior cego é aquele que não quer ver, segundo Saramago) e desespero (quando não obtemos por simpatia, obtemos por ditadura) que dá as últimas cartadas no niilismo moderno – alcançar a total anulação de medidas perante os reais perigos da nossa civilização e restaurar os gloriosos tempos do capitalismo selvagem, a competição sem regras, como verdadeiros chauvinistas nacionalistas despojados de bebida divina de intelectualização – a bebida para a resiliência, para a ética, para encontrar oportunidades nas mudanças necessárias. É a extinção da Humanidade que está em causa na pós-modernidade: a extinção da verdade é apenas o princípio do fim.
Mas que verdade é essa que o chauvinismo nacionalista pregoa? No seu esquema sofista de negar a realidade, a gritar e a espezinhar a verdade como sendo constituída por falsidades que lhes são impostas, num suposto esquema de controlo oculto por parte de socialistas portugueses ou comunistas globais, a propaganda oca de intelectualidade cativa os revoltados que consideram só ter no prato uma bolacha e o estado ficou com todas para distribuir por grandes grupos financeiros que tem de salvar: para o estado se proteger, os chauvinistas que querem ser eleitos apontam o dedo a uma minoria que poderá roubar a bolacha do cidadão proletário, sem nunca explicar como serão distribuídas as bolachas acumuladas pelo estado. Esta analogia da bolacha é ridícula porque, para sermos saudáveis, devemos evitar acumular bolachas evitando a tentação de as comer, mas não cai por terra uma comparação banal com a ação principal que define um estado ético: concentra rendimento de vários para distribuir nas infraestruturas intelectuais, materiais, físicas, medicinais e sociais. Todo e qualquer estado que se caracterize como totalmente isolado de ação social não é um estado, é uma máquina para jogos de poder onde gigantes da manipulação se medem e aprendem a serem mais manipulativos. Não preciso de ser de esquerda ou de direita, só preciso de ser ético e humanista para entender algo tão básico como a definição de estado. Mas os nacionalistas pretendem o chauvinismo glorioso do passado, a entrega do soldado ao governante invisível que vive num banho de ouro real e uvas frescas constantemente, que nunca soube rachar lenha para se aquecer ou cozinhar para saborear.
Mas o que falta para evitar a extinção da verdade? Refletir sobre o que foi escrito nestes textos, em artigos publicados, em palavras ditas e a forma como foram pronunciadas, evitar o fundamentalismo dos nossos ideais, evitar a polarização que provém da manipulação de outros e nós fornecemos a veneração necessária para atingirem algum poder, julgar sabiamente o que outros escrevem, afirmam, pronunciam, preveem, alcançam, é impor coragem em nós mesmos para lutar, impedir a oferenda do nosso coração numa bandeja àquele que é gelado – sorrir ao medo que os narcisistas possuem até eles perderem esse medo e transformarem-se em Humanos que deveriam ser; a verdade está naquele político que foi bombeiro e explica as medidas que pretende para esse sector, naquele que foi agricultor e sabe como regenerar os nossos solos, naquele que foi assistente social e sabe como aplicar leis para as conductas dos cidadãos, daquele que lutou arduamente na construção civil, na fábrica, nas ruas para sustentar uma família com três filhos e que apenas quer leis mais justas para todos, naquele padre que perdeu tudo para expor uma verdade, naquele cientista que despojou-se de confortos e tenta expor a verdade, naquele médico que dá a vida para tratar doentes expostos a um novo vírus do qual não se sabe a cura: porque a verdade nos pode salvar de todas as catástrofes que o Ser Humano possa enfrentar, só não nos pode salvar de nós mesmos se pretendemos a sua extinção. Só a verdade nos dá o choque necessário para atuar contra os fenômenos exteriores e interiores por forma a alcançar a resiliência necessária para a mudança – vontade por evoluir, por nunca ficar preso, por ser livre perante as condicionantes de um mundo incontrolável. Que a nossa vontade por mudar renasça, floresça, que a nossa visão ilumine-se de esperança, de agradecimento, de partilha, que a nossa temperança revele um activismo social que nos conduz a um futuro mais seguro, onde as verdades que são verdades não são anuladas, onde as possíveis verdades não são ridicularizadas, um futuro em que a manipulação é extinta e a verdade é livre: para nunca mais voltarmos à idade das trevas, seja essa idade na era sem tecnologia, ou na nova era totalmente tecnológica.
Referências
https://jewishcurrents.org/obama-and-the-israel-lobby/?fbclid=IwAR1lp_4YryZFP7yW9n3meGgQA_j-dVWcjaYN4ey68cG7myVgzTFaoi58aK8
https://lidermagazine.sapo.pt/ricardo-araujo-pereira-o-humor-e-um-alivio-que-nao-substitui-analgesicos/
Nasci, cresci e vivo nos planaltos de Vila Maior, São Pedro do Sul, distrito de Viseu com vista privilegiada para diversas cordilheiras montanhosas. Comecei a escrever poesia em 2005 como forma de escapar à realidade pesada da minha timidez. A natureza, o primeiro fogo da paixão e a necessidade de exprimir injustiças sociais despertaram a minha mão esquerda a escrever como se a minha existência dependesse de tal ação. Enquanto adulto, comecei por trabalhar muito cedo, fui pai muito novo e de todo um tumulto social renasce uma paixão: pensar sobre o que me rodeia, mas em vez de definhar decidi filosofar e nunca mais parei até hoje. Nasceram dois livros de poesia, “Mente (des)Concertante” por parte da editora Poesia Fã Clube e “O Fluxo da Vida” editado na plataforma Amazon. Só mais tarde, licenciei-me em Engenharia Informática pelo Politécnico de Viseu em 2017. Atualmente entre programar computadores e linguagem humana para conseguir alcançar uma transformação social pela filosofia, sou pai, marido, filho e agricultor como forma de alimentar corpo e alma. Estou pela primeira vez a romper a minha timidez e a expor-me nos meios de comunicação social e em comunidades literárias.