Políticas para envelhecimento de qualidade – políticas para todos e todas!

Vivemos, na atualidade, um período de transição demográfica, uma vez que o envelhecimento populacional é um fenómeno cada vez mais evidente, com tendência a agravar-se, quer na sociedade portuguesa quer europeia.

De acordo com a OMS qualquer indivíduo com 65 anos ou mais, independentemente do sexo e estado de saúde, faz parte do grupo etário dos idosos (WHO, 2002). Prevê-se, então que este grupo etário aumentará dos atuais 17,1% para 30,0% no ano de 2060 e o índice de dependência dos idosos aumentará, no mesmo período, de 25,4% para 53,5%, em países do EU27 (Giannakouris, 2008). A nível mundial entre 1970 e 2025 é expectável que a população idosa aumente cerca de 694 milhões (WHO, 2002).

Esta evolução demográfica exige uma atenção especial com este grupo social, que para além de ser possuidor de um grande capital cultural, em muitos casos tem disponibilidade de tempo, mas que corre o risco de exclusão social e consequente desagregação da sociedade. Interessa, acima de tudo, perceber que o envelhecimento enquanto fenómeno biopsicossocial não pode ser em si mesmo um problema, sendo que ele faz parte do desenvolvimento humano.

Importa, considerar a evolução do conhecimento teórico que nos situa a abordagem do idoso como ator social, que não o desliga da perspectiva de sujeito com as suas características individuais, com algumas especificidades biopsicossociais (Fonseca & Paúl, 2006), nomeadamente: a tendência para a diminuição da sua rede de relações sociais, uma maior disponibilidade de tempo livre, o descomprometimento com algumas das suas responsabilidades sociais inerentes à vida ativa, limitações devidas ao envelhecimento primário e/ou secundário, grupo possuidor de um capital de conhecimento e de experiência de vida que importa preservar, entre outros.

Considerando as perspectivas teóricas sobre o envelhecimento, é transversal a estas abordagens a preocupação que a velhice seja uma experiência positiva, e que uma vida longa comporte oportunidades e qualidade de vida; sendo que para isso é necessária a capacitação dos sujeitos (Fernandes, 2017; OMS, 2005; Pereira, 2012 WHO, 2015;).

A constituição da velhice e do envelhecimento em problema social está estreitamente relacionada com a importância do indivíduo enquanto indivíduo produtivo e consumidor, estreitamente condicionada pela ideia de trabalho vinculado ao princípio da sua rentabilidade económica para outros. Por outro lado, quanda a sociedade vê o envelhecimento como um problema, o desejo de não envelhecer e o culto da imagem da juventude tornam-se motores do consumismo que daí advém. A longevidade é uma conquista da civilização humana e o envelhecimento da população deve ser visto como uma oportunidade tanto para os indivíduos como para a sociedade (WHO, 2015).

O envelhecimento demográfico, é visto com factor da insustentabilidade do sistema de segurança social. Sobre o seu impacto na sustentabilidade financeira da segurança social, Rosa (2013) refere que o aumento da produtividade e adequação do cálculo das contribuições das empresas para a segurança social, a diversificação de fontes de financiamento, nomeadamente pela aplicação de taxas sobre transações financeiras, bem como a eliminação de um série de isenções que usufruem atualmente os lucros e rendimentos de capital aumentaria a receita do estado contribuindo para a sustentabilidade da segurança social. Por outro lado, refere o auto, a recessão económica, agravada pela política de austeridade, põe em causa a sustentabilidade financeira do estado e as suas funções sociais, logo a sustentabilidade da segurança social ( Rosa, 2013).

Posto isto, achamos importante abordar as condições ao longo da vida bem como as da velhice, na definição de políticas adequadas no âmbito do envelhecimento. De todos modos, esta reflexão só pode ser sustentável e pensada a longo prazo, se pensar nos idosos, não como um grupo social específico, mas como o grupo social a que todos pertencemos. Pensar em políticas para o envelhecimento é pensar em políticas sociais para uma vida de qualidade.

Que apoio e cuidados à população idosa?

Atualmente o apoio e cuidados aos idosos está baseado na família e na institucionalização, de acordo com a carta social 2008, 72% das instituições são do sector não lucrativo, essencialmente IPSS e 28% são do sector privado.

As instituições do sector não lucrativo recebem contribuições financeiras do estado, que não são suficientes para custear os cuidados gerontológicos cada vez mais sofisticados, prolongados e dispendiosos. Portanto, a parte em falta deve ser assegurada pelos utentes que possuem rendimentos baixos, em muitos casos apenas o valor da pensão e reforma.

Ao nível da prestação de apoio domiciliário, estamos perante um aparecimento recente de diversas entidades privadas, o que se pode explicar tanto pelo incentivo de manter os idosos em casa, como pelo facto dos custos destes cuidados serem menores que a institucionalização.

A Segurança Social prevê diversos tipos de resposta de apoio social a pessoas idosas, cujo acesso a alguns destes apoios depende da disponibilidade dos equipamentos na zona de residência e das instituições do setor terem capacidade para receber os utentes. Além disso, esses serviços prestados são comparticipados com base em cálculos sobre os rendimentos da família.

O estado tem vindo a diminuir gradualmente a sua intervenção directa na gestão dos equipamentos sociais, passando esta para as IPSS.

Precisamos pensar se este é ou não o melhor caminho para o apoio e cuidados à população idosa.

Diversos estudos têm vindo a apoiar a ideia de que as pessoas idosas, como qualquer um de nós, não querem viver longe do seu meio e da sua comunidade, e em meio rural há estudos que confirmam que as pessoas com mais de 65 anos se sentem satisfeitas com o seu suporte social, e apresentam bons níveis de satisfação com a vida, portanto devemos apoiar políticas que permitam às pessoas ter uma vida autónoma e independente o maior tempo possível. No suporte social, estudos referem a importância da família e por vezes o déficit em actividades sociais satisfatórias. Assim consideramos que quanto mais tempo as pessoas poderem ficar nas suas casas, nas suas rotinas e com os seus, melhor. Portanto medidas que promovam qualidade de vida para a população idosa, abrangem questões do desenvolvimento local estruturantes, nomeadamente questões relativas aos serviços (hospitais, centros de saúde, CTT etc), mobilidade, culturais entre outros que melhorem as suas vidas e promovam emprego de qualidade para permitirem a fixação das diversas gerações e nomeadamente dos familiares de quem esperam apoio e cuidados.

Na questão do apoio e dos cuidados é importante o reconhecimento dos contributos da gerontologia enquanto ciência, bem como o reconhecimento da profissão de gerontólogo/gerontóloga, para melhor prestação de cuidados aos idosos institucionalizados ou em domicílio. A Gerontologia assume-se como uma ciência que estuda questões do envelhecimento, e se propõe a atuar perante a pessoa idosa como forma integral. Portugal foi pioneira na criação destes profissionais.

Há espaço para cuidarmos dos nossos avós?

Os idosos que precisam de cuidados também preferem ficar junto dos seus, mas a população activa não tem meios económicos, nem disponibilidade para cuidar dos avós, nem dos pais e por vezes, nem dos filhos. Com regularidade os idosos que são institucionalizados, são-o longe das áreas de residência dos familiares, de acordo com a disponibilidade das estruturas e recursos existentes.

Outro aspecto diz respeito à sobrecarga dos cuidados prestados nomeadamente aos idosos recair sobre as mulheres, que na maior parte das vezes acumulam com carreiras profissionais.

De um modo geral, os contextos da sociedade atual e nomeadamente as políticas laborais não estão pensadas para as famílias. Urge pensar em políticas para a família, nas suas diversas formas, políticas que concebem espaços para intergeracionalidade, para a promoção de relações de afeto e solidariedade; valores essenciais para a sustentabilidade de uma sociedade.

Que inclusão social para as pessoas idosas?

Alguns autores referem que a própria definição de idoso é factor de exclusão, ao constituir um corte com os sistemas sociais que contribuem para inclusão e cidadania: o sistema produtivo.

É importante delinear medidas que contrariem a perda de laço social e desqualificação social, quando os indivíduos deixam de ser ativos profissionalmente. São importantes as medidas que permitam reconstrução identitária e de projectos de vida, quer para pessoas em comunidade ou institucionalizadas.

Por outro lado, há necessidade combater estereótipos, o idadismo e a desagregação intergeracional. É preciso trabalhar do ponto de vista dos movimentos sociais ações que integrem e valorizem as pessoas com mais idade.

Os idosos correm o risco de exclusão aos bens essenciais dos diversos âmbitos. Os custos com a proteção social em Portugal encontra-se em torno dos 27% do PIB, abaixo da média na União europeia 29,4%.

Todo o cidadão tem direito ao envelhecimento com dignidade, bem como direito aos cuidados e assistência, oportunidade de preservação da saúde física e mental, bem como envelhecer com cidadania e participação activa em diversos âmbitos da sociedade. Autores como Pimentel & Silva (2012) referem a preocupação em evitar a exclusão social e a vulnerabilidade que advém com o envelhecimento, assim sugerem que a intervenção social deve preocupar-se com o apoio na reconstrução de projetos de vida alternativos que potenciem a inclusão, que passa pela participação ativa dos idosos nas suas comunidades e nos diferentes espaços a que pertence. A participação do idosos nas questões sociais, económicas, culturais, civis entre outras do seu entorno, é apontado como motor da inclusão social e uma oportunidade de exercer um direito.

Achamos que a participação nas diversas questões da sociedade exigem capacitação que só é possível com projetos de educação intergeracionais, que permitam a redução da desigualdade social e garantia de direitos e conhecimento dos deveres. Por outro, é pertinente a sensibilização e envolvimento das comunidades e sua consciencialização para a preservação das redes de entreajuda e amizade.

A educação é uma ferramenta de inclusão ou um direito?

Os idosos também têm direito à educação, porque a educação ao longo da vida é um direito. A educação permita o desenvolvimento integral do ser humano e portanto é um direito e por isso deve ser permanente e ao longo da vida (Barros, 2011; Bermejo, 2005; Requejo, 2004). Verificamos regularmente que não há actividades educativas nem culturais, ou a oferta é insuficiente, inadequada e não promove aspectos basilares como a intergeracionalidade, não potência nem recupera saberes dos idosos, não promove a sua cidadania e participação activa. Faz falta, localmente envolver diversos actores, como autarquias, freguesias, associações, escolas, entre outras, para a promoção de actividades socioculturais com estes propósitos.

Assim, consideramos que ainda que existam diversos espaços onde pode ocorrer intervenção educativa, tais como: centros de dia, universidades seniores, centros residenciais, consideramos que as metodologias que devem estar presentes nestes espaços educativos devem ser motivadoras, promotoras de desenvolvimento pessoal, grupal e comunitário, dialógicas.

Idosos são os outros ou todos nós?

Se os idosos de hoje têm dificuldades, os idosos do futuro estarão certamente mais sós, mais doentes e se calhar mais pobres. Portanto a temos que ter presente a que as políticas para o envelhecimento devem ser as políticas para a qualidade de vida para todos e para todas em todo o âmbito biopsicossocial. No fundo está premente a ideia de que vivemos a envelhecer e é importante, uma vez que se prevé que teremos uma vida longa, que a vida seja vivida com qualidade, as políticas para um envelhecimento ativo devem ser as políticas para uma vida ativa, que deve ser alcançável com políticas ou programas de desenvolvimento que proporcione a cada cidadão toda uma vida vivida em saúde, segurança e conforto possíveis.

Para além de questões ligadas ao âmbito da saúde e prevenção, é importante abordar questões relativas ao trabalho e ao envelhecimento. Existe, de forma generalizada, uma relação negativa entre produtividade e idade. O trabalho pode influenciar a saúde e a doença de diferentes formas, mas pode ser fonte de desenvolvimento pessoal e reforçar competências e capacidades individuais. O desgaste que o trabalhador sofre depende de fatores decorrentes da carga física e mental do trabalho. Alguns autores apontam para uma relação positiva entre idade e produtividade, uma vez que pode haver capacidade diminuídas, mas outras são compensadas. Há ainda estudos que indicam a capacidade não dependem da idade mas que varia de individuo para individuo, resultando da interação entre recursos individuais e condições e organização do trabalho.

Pensar em políticas laborais promotoras de qualidade de vida e condições de bem-estar dos trabalhadores, é pensar em políticas para um envelhecimento digno. A saúde dos trabalhadores e locais de trabalho saudáveis são valores sociais e económicos relevantes como direitos essenciais.

Por outro lado, ao se abordar a gestão da mão-de-obra e a forma como se podem vir a implementar medidas que reconheçam a contribuição das pessoas idosas para a vida social, cultural e económica, devemos ter em atenção que o prolongamento da vida ativa não pode pôr em causa o merecido descanso dos idosos.

Quando os estudos referem que há maior risco para perda de capacidade de trabalho por parte dos indivíduos de sexo feminino, estão em causa as desigualdades laborais e sociais no âmbito das questões de género.

O envelhecimento numa abordagem subjacente questões de género, bem como critérios como etnia e raça, é diversificado, no sentido de que envelhecemos de diferentes formas e em diferentes condições, e, por isso, quando consideramos estes critérios, vamos ter formas diferentes de envelhecimento no que se refere a aspectos socioculturais, económicos e condições de vida. Na verdade são as condições de desigualdade económica e social que vão criar condicionantes no envelhecimento. Pensar em políticas para o envelhecimento de qualidade é pensar em equidade e justiça social em vez do paradigma utilitário.

A educação permanente deve ser uma realidade na vertente educação para adultos, só no campo da educação e na sua forma mais ampla é possível o desenvolvimento integral dos indivíduos, e que inclusive abordar o próprio o envelhecimento na sua lógica da continuidade, da compensação e da descoberta. O desenvolvimento ao longo da vida que fomente a capacitação dos indivíduos e desenvolvimento de uma série de competências que permitam vivenciar de forma positiva de forma a encontrar o sentido da sua vida, a coerência e reconstrução identitária. A educação contribui para a formação de grupos sociais saudáveis e eficazes. A valorização e aprendizagem ao longo da vida trazem ganhos sociais económicos não só no campo da prevenção.

Considerações finais

Com esta abordagem, pretendemos incentivamos o debate para a construção de políticas para um envelhecimento de qualidade. Consideramos que ficam ainda diversos âmbitos por debater, como sejam questões relativas à mobilidade e ao urbanismo. Contudo, sublinhamos que as políticas para o envelhecimento de qualidade devem ser políticas que pensem a qualidade de vida para todos nós, pensando no futuro de todas as gerações.

Texto de Lúcia Cunha de apoio ao debate “Pela nossa saúde: respostas públicas para o envelhecimento”, que terá lugar no Fórum Socialismo 2019, no domingo, 1 de setembro, às 11h45 horas, no Porto.

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Outros artigos deste autor >

Nasceu em Chaves no ano de 1979.
Licenciada em Ensino Biologia-Geologia pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, no ano de 2001. Mestre em Ciências de Educação - Especialização em Animação Sociocultural pela UTAD. Frequentou o 2.°ciclo do curso Bietápico de Licenciatura em Engenharia do Ambiente e do Território do Instituto Politécnico de Bragança.
Lecionou, como docente contratada do grupo de Biologia e Geologia, em várias escolas do país.

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