A Marcha é Linda e é Luta

Ao longo destes últimos meses, um pouco por todo o país, desde o litoral ao interior, em todas as nossas instituições e espaços o nosso corpo e existência continua a incomodar o sistema. O facto de continuarmos a marchar, de darmos as mãos, trocarmos afetos sem medo é um ato de luta. Reivindicamos mudanças estruturais, institucionais, sendo a nossa ação e reposta enquanto sociedade continuarmos a sair à rua, desconfinarmos os nossos corpos e lutas em forma de protesto, mostrando e apresentando aquilo pelo qual lutamos, trazendo assim visibilidade.

A última Marcha do Orgulho deste ano aconteceu em Viseu com a 5ª Marcha pelos Direitos LGBTQIAP+, e, por isso mesmo, é importante relembrar a importância de esta mesma luta.

A luta anticapitalista é por si só permanente, tendo esta que ser interseccional, existindo nos mais diversos espaços e formas, transformando-se constantemente. A luta pelos direitos LGBTQIAP+ faz parte desta mesma agenda anticapitalista, aliada a um feminismo que seja verdadeiramente transfeminista. O capital continua a recusar-se a sacrificar o bem-estar da maioria elitista para lutar por aquelas que o sistema tende a oprimir porque nos tem como vulneráveis: mulheres pobres e precárias, racializadas e migrantes, pessoas queer e trans, mulheres portadoras de deficiência.

Enquanto pessoas queer que nascem e vivem no interior o anonimato e aqueles que são os espaços para existirmos de forma mais livre possível são escassos, saímos à procura de inclusão, oportunidades, visibilidade no sentido em que os nosso direitos importam. Juntamo-nos este domingo naquela que foi a 5ª Marcha em Viseu, pois apenas a nossa existência e corpos são um ato político. E ao enchermos as ruas de cor e gritos de resistência é ocupar o espaço público, que também nos pertence, reivindicando isso mesmo. Ao fazê-lo apresentamos aquilo que nos inquieta e pelo qual lutamos todos os dias:

  • Lutamos por uma agenda política que nos veja, que combata a extrema-direita reacionária que tem incendiado os nossos espaços com discursos homofóbicos;
  • Por um SNS realmente inclusivo, uma vez que no acesso ao mesmo pessoas LGBTQ+ ainda encontram diversos obstáculos. Quando falamos de doenças sexualmente transmissíveis ou questões trans ainda se sente uma falta de resposta e formação por parte dos profissionais de saúde. Assim, lutamos por uma educação sexual inclusiva e não heteronormativa, tanto nas escolas como juntos destes mesmos profissionais, não nos sendo negado nenhum cuidado;
  • Dizemos não às terapias de conversão, criminalizando e repudiando tais atos. Temos igual resposta quando falamos também da possibilidade de mutilação genital de pessoas intersexo à nascença;
  • Lutamos por um apoio no acesso à saúde mental especializado na comunidade LGBTQIAP+, livre de conservadorismos e opressões.

A luta queer passa também pelo direito à habitação, de forma que as casas possam ser locais seguros elas precisam de ser realmente nossas, não devendo ter que viver com o medo de dizer ao nosso senhorio que a pessoa com quem vivemos é a nossa parceira e não apenas uma amiga, porque corremos o risco de no momento a seguir de sermos expulsas e ficarmos sem teto. E é também hora de as autarquias, principalmente aquelas que no interior existem, nos reconhecerem, pois aquilo que é nomeado não existe, mas pessoas queer existem e se a política é feita para todas as pessoas então já é tempo e hora de se implementarem planos municipais de inclusão LGBTQIAP+.

Ao longo destes últimos meses, um pouco por todo o país, desde o litoral ao interior, em todas as nossas instituições e espaços o nosso corpo e existência continua a incomodar o sistema. O facto de continuarmos a marchar, de darmos as mãos, trocarmos afetos sem medo é um ato de luta. Reivindicamos mudanças estruturais, institucionais, sendo a nossa ação e reposta enquanto sociedade continuarmos a sair à rua, desconfinarmos os nossos corpos e lutas em forma de protesto, mostrando e apresentando aquilo pelo qual lutamos, trazendo assim visibilidade.

Entregamos o nosso amor à luta porque esta luta traz-nos a possibilidade de existirmos. E a luta faz-se todos os dias, nas ruas, em casa, no local de trabalho, nos espaços de ensino. A luta é cultura, é SNS, é habitação, é arte, é afeto e camaradagem. E no dia em que todas estas reivindicações sejam uma realidade que continuemos a estar todas juntas a celebrar a nossa existência. Porque a marcha é linda, mas ela também é luta, todos os dias.

Outros artigos deste autor >

Beatriz Realinho, de 21 anos, natural da Guarda. Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa. Está no mestrado em Estudo sobre as Mulheres: As Mulheres na Sociedade e na Cultura, na mesma instituição.

Faz parte de diversos movimentos e coletivos sociais, ambientais, LGBTQIAP+ e Feministas, sendo coautora do podcast “2 Feministas 1 Patriarcado”.

Related Posts
Ribeira da Sertã
Ler Mais

Argemela e Ribeira da Sertã

Há sensivelmente 15 dias vi uma reportagem na TV sobre a exploração mineira da Argemela  em que o PSD com 15 dos seus deputados, incluindo Cláudia André, que é eleita pelo distrito de Castelo Branco, questionava e bem porque razão o contrato de concessão foi assinado antes de se fazer uma avaliação de impacto ambiental, recordando que algumas entidades se opõem ao projeto.
Ler Mais

Migrantes, para que vos queremos

Os grandes interesses económicos europeus querem imigrantes fragilizadas e sem direitos, mão de obra escravizada que engorda os seus lucros.
Skip to content