O nervosismo que causa uma mulher a falar

No último domingo tivemos o debate entre Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, e o candidato de extrema-direita. Um debate marcado pelo constante mansplaining e tom agressivo com que este insultava o outro lado, não apresentando nem propostas nem soluções para o país.

No último domingo tivemos o debate entre Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, e o candidato de extrema-direita. Um debate marcado pelo constante mansplaining e tom agressivo com que este insultava o outro lado, não apresentando nem propostas nem soluções para o país. Se isso nos surpreende? Não, pelo menos àqueles que conseguem constatar factos, esta postura de André Ventura não é novidade. 

Mas Catarina Martins, mulher e coordenadora nacional do Bloco de Esquerda, esteve muito bem, ao contrário do que outros tentam dizer, uma vez que não caiu nas tentativas de armadilha da extrema-direita, respondendo-lhe de forma clara e com argumentos verídicos. Apresenta um programa com linhas coesas de propostas concretas para o povo, encontrando-se no lado certo da luta para um país mais igual e mais justo. 

Logo a seguir ao debate tivemos um painel de comentadores que afirmaram que quem tinha ganho o debate (como se esta mera questão fosse a mais importante para as eleições que vão ser realizadas a 30 de janeiro) teria sido então o candidato que passou o tempo a levantar a voz, e a lançar chavões misóginos e xenófobos ao invés de falar do que realmente importa. 

Muitos comentários afirmavam que Catarina Martins perdera o debate por se ter apresentado calma e coerente e que, por isso, tinha perdido o protagonismo do mesmo, e que devia ter respondido a André Ventura para se fazer notar. Ora, podemos então relembrar janeiro do ano passado, quando era Marisa Matias a debater com a extrema-direita, e onde apareceram comentários a defender que a eurodeputada tinha perdido a razão ao confrontar o adversário “descendo ao nível dele”. Tais ideias não passam de exemplos do machismo que continua a assombrar a nossa sociedade, uma vez que por um lado, se uma mulher se encontra calma e serena perante um confronto significa que esta não teve uma boa prestação porque estava apagada no debate, e por outro lado, quando uma mulher levanta mais um pouco a voz já é considerada histérica. É esta a mensagem que passam os ditos comentadores, tanto os que aparecem nos meios de comunicação social, como aqueles que se encontram apenas atrás do ecrã, quando dão razão àquele que mais ameaça a nossa democracia. 

O medo e o nervosismo que provoca uma mulher a falar não é novo, durante as consideradas várias vagas feministas temos exemplos de mulheres que desafiaram a norma e o patriarcado e lutaram pelo seu lugar de fala. Infelizmente continua a ser notório o sexismo e machismo que se faz ver quando uma mulher vinga no mundo da política, seja aqui em Portugal, seja no resto do mundo, tudo porque se continua a ter uma visão masculina e estereotipada quanto ao género. Não é a primeira vez que Ventura se mostra ameaçado, e ainda bem, por uma mulher do Bloco de Esquerda, significa que lhe fazemos frente quando desmascaramos as suas falácias. Já em janeiro, nas presidenciais não lhe faltou a vontade de fazer campanha onde enchia a boca de comentários misóginos, mas Marisa Matias respondeu-lhe a ele e a tantos outros: “Não somos coisas de brincar, somos mulheres a lutar” (Matias, Marisa, Presidenciais 2021), unindo-se todo um movimento que pintou os lábios de vermelho, para mostrar que juntas sabemos fazer frente ao fascismo. 

Diz a extrema-direita que o Bloco de Esquerda a incomoda, ainda bem que assim o é, significa que estamos a fazer aquilo que é o nosso dever. Relembrar e levar em frente os valores de abril, fazer frente àqueles que nos tentam roubar a liberdade. Lutar por um campo político onde todes importam e onde não exista espaço para comentários machistas, passando isso pela desconstrução do patriarcado nas nossas instituições e sociedade em geral, e estamos unidas nessa luta que é diária e sempre sem medo.

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Beatriz Realinho, de 21 anos, natural da Guarda. Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa. Está no mestrado em Estudo sobre as Mulheres: As Mulheres na Sociedade e na Cultura, na mesma instituição.

Faz parte de diversos movimentos e coletivos sociais, ambientais, LGBTQIAP+ e Feministas, sendo coautora do podcast “2 Feministas 1 Patriarcado”.

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