Interior a marchar por todas as cores

Ao falarmos de jovens queer no interior do país sabemos que neste espaço o anonimato é escasso, existindo apenas nas grandes cidades, tal como a existência de organizações e apoios LGBT+. O anonimato é sinónimo de liberdade para muitos de nós, jovens que naquelas que são as nossas casas ainda não podemos nem ser nem existir na nossa plenitude.
Plataforma Já Marchavas

Para além de vivermos num sistema patriarcal, este é ainda alimentado por uma heterossexualidade compulsória que, segundo Adrienne Rich, pode ser considerado enquanto um sistema político que domina e retira poder às mulheres e comunidade LGBTQIAP+, subalternizando os seus corpos. Esta teoria estuda a forma como a heterossexualidade é normalizada em todos os ambientes e espaços da sociedade, assim como os fatores que influenciam isso mesmo.1 Em comunidades e espaços mais pequenos tende a sentir-se um maior conservadorismo nos costumes, isto devido a uma população mais envelhecida e uma maior presença da religião.

Ao falarmos de jovens queer no interior do país sabemos que neste espaço o anonimato é escasso, existindo apenas nas grandes cidades, tal como a existência de organizações e apoios LGBT+. O anonimato é sinónimo de liberdade para muitos de nós, jovens que naquelas que são as nossas casas ainda não podemos nem ser nem existir na nossa plenitude. Saímos à procura de mais inclusão, de visibilidade no sentido em que os nossos direitos importam, mais oportunidades, sendo que para isso temos que nos sujeitar a viver duas vidas separadas e sair daquilo que é a terra que nos viu crescer. Os movimentos sociais e plataformas que tem vindo a ser criadas no interior procuram trazer essa mesma visibilidade sobre as questões LGBTQIAP+ nestes espaços, reivindicando também direitos e políticas públicas que tragam consigo uma mudança positiva na sociedade que quebre o conservadorismo ainda existente. A partir destes movimentos constroem-se as marchas que a partir de maio começam a ter lugar em vários pontos do país, sendo que estas têm vindo a crescer em cidades do interior. Exemplo disto é de como em poucos meses cresceu na Covilhã um movimento cujo nome é “Covilhã a Marchar” que tem como propósito realizar a 1ª Marcha LGBTQIAP+ já este sábado, dia 4.

Muitos nos perguntam o porquê de ainda sairmos à rua para marchar, a nossa resposta é simples, a homofobia e o medo que esta provoca ainda se faz sentir. Como é que podemos falar da liberdade que Abril nos trouxe se esta é apenas para alguns? A visibilidade e a reivindicação têm que ter lugar no espaço público, pois a nossa existência é um ato político por si só. É importante continuar a lutar pois ainda somos alvo de violência física e psicológica, em muitos dos casos por parte da família que nos rejeita. O panorama político mudou, com a existência de partidos com uma agenda que ameaça a nossa sobrevivência. Reivindicamos um SNS onde todes sejam tidos em conta e vistos como gente e tenham direito ao acesso aos cuidados, não negamos o real acesso à saúde de pessoas trans e não binárias. Aqui importa a formação adequada de profissionais de saúde, de modo a garantir que somos tratadas com o respeito que nos é merecido. O nosso amor, a nossa sexualidade não precisa de “terapias de conversão”, e por isso mesmo exigimos a sua criminalização.

Entramos este mês naquele que é o mês do Orgulho LGBTQIAP+. Seria importante que as autarquias, principalmente aquelas que ainda não o tenham feito, atuassem naquele que é o desejado Plano Municipal LGBTQIAP+, mas que este não se fique apenas por Assembleias Municipais ou reuniões de gabinete, que seja verdadeiramente implementado.

As marchas são lindas e o seu significado é igualmente bonito e importante, simbolizam momentos de convívio, amor, felicidade, visibilidade, mas também momentos de luta e de memória. De luta porque não esquecemos que a nossa existência, os nossos corpos, são atos políticos, e de memória porque não esquecemos todas, todos e todes que nos foram abrindo caminho para que hoje saíssemos à rua a reivindicar para que esta seja livre de preconceitos. Marchamos porque a luta e a liberdade são de todas as cores, porque ser hétero não tem que ser uma norma, e por um interior que se pinte de todas as cores e onde crianças e jovens possam existir na sua forma mais livre e real.

 

  1. Rich A (1980), Compulsory Heterosexuality and Lesbian Experience
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Beatriz Realinho, de 21 anos, natural da Guarda. Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais pela Universidade Nova de Lisboa. Está no mestrado em Estudo sobre as Mulheres: As Mulheres na Sociedade e na Cultura, na mesma instituição.

Faz parte de diversos movimentos e coletivos sociais, ambientais, LGBTQIAP+ e Feministas, sendo coautora do podcast “2 Feministas 1 Patriarcado”.

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