Não há talvez maior gerador do ressentimento político do que a sensação de abandono. Pessoas que se sentem abandonadas pelo poder, que sentem que a sua voz não é escutada, que os seus desejos e esperanças não contam, que os seus sonhos são meros delírios, que as suas opiniões não são atendíveis, que sentem que podem simplesmente desaparecer que ninguém as vai lembrar ou correr atrás delas…, são pessoas que sentem que não fazem parte de nada pela qual a sua vida conta e conta tudo. É nesta erosão do tecido social por um abandono que é cada vez mais real que o discurso de inimizade e de ódio da extrema-direita medra. As pessoas sentem-se abandonadas pelo Estado, pelo poder político, pelas classes dirigentes. Aquilo a que chamamos de neoliberalismo – que é apenas a mais recente metamorfose do capitalismo – é a expressão económico-social desta desestruturação da sociedade, dos frágeis vínculos que permitem relações que não se pautem exclusivamente pelo interesse próprio e pela necessidade de sobrevivência a todo o custo num clima caraterizado pela concorrência permanente (que começa logo na escola), a precariedade laboral, o difícil acesso à habitação, o processo de depredação dos recursos do SNS, a supressão contínua da mobilidade pública… Por isso, e como tive oportunidade de o ouvir de uma camarada, a luta pela restauração da vida coletiva e da dignidade de cada um e de cada uma é uma luta diária e muito personalizada, quase de porta a porta, de amigo a amigo, de vizinho a vizinho, de colega de trabalho a colega de trabalho, de desconhecido a desconhecido. É um trabalho de militância que é impossível de se restringir aos calendários eleitorais e à sua dinâmica temporalmente devoradora; mais ainda se considerarmos a deturpação mediática da luta política através da atribuição de pontos aos candidatos ou a forma como se deixaram capturar pelas estratégias do populismo da direita. Vencer a terrível sedução dos “de baixo” pela extrema-direita é realmente refazer o prazer de pertencermos a uma comunidade, a alegria de não estarmos sós, de podermos contar uns com os outros, e isso, essa tarefa do cuidado, que é uma tarefa realmente feminista, não pode deixar de começar ao nível mais prosaico das nossas relações quotidianas, na nossa rua, no nosso bairro, na nossa aldeia, vila ou cidade. É o combate da nossa vida e que se confunde inteiramente com esta.
Nasce em 1986 e habita nesse território geográfico e imaginário que é o Interior. Cresce em Viseu e faz a sua formação universitária na Covilhã, cresce tendo a Serra da Estrela como pano de fundo. As suas áreas de interesse académico são a filosofia, a política e a literatura. Actualmente está a terminar um doutoramento em filosofia.