No tempo do Império Romano, a estratégia seguida pelo imperador, para calar a voz da plebe, passava pela realização de espetáculos e pela distribuição de trigo para saciar a fome dos inúmero famintos que existiam na altura. Com estas ações, a população ficava em silêncio e não fazia qualquer reivindicação. Era assim que se construía a felicidade do povo.
No tempo do Império Romano, a estratégia seguida pelo imperador, para calar a voz da plebe, passava pela realização de espetáculos e pela distribuição de trigo para saciar a fome dos inúmero famintos que existiam na altura. Com estas ações, a população ficava em silêncio e não fazia qualquer reivindicação. Era assim que se construía a felicidade do povo.
No tempo do Estado Novo, era com Fado, Fátima e Futebol que se mantinha uma nação em silêncio e, quiçá, feliz à sua maneira.
No tempo do governo de Cavaco Silva, foi com “popós” e autoestradas que se enganaram muito portugueses. As rodovias assumiram-se como o protótipo da felicidade nacional.
Hoje, mantém-se a missão de fazer feliz um povo descontente. Comecemos pelo recente orçamento de estado para 2020 em construção (encontra-se em debate na especialidade). Este “excelente orçamento” (“excelente, segundo o primeiro-ministro António Costa) apresenta um conjunto de medidas destinadas às famílias e empresas que têm como prioridade promover o investimento público e privado, apostar na educação, na ciência e na cultura, melhorar os rendimentos, sobretudo das pessoas com menores recursos, e melhorar a qualidade dos serviços públicos.
E o povo pensa que há que ter respeito por estas medidas, pois afinal nós “somos um povo de respeito e o respeitinho é muito lindo”, como dizia, ironicamente, José Mário Branco no seu intemporal FMI. Mas, cheio de manipulações bem ao jeito das técnicas velhas de magia grega, este orçamento, afinal, mais não é do que um documento rico em intenções e palavras, e pobre na substância. Oferecem-nos que texto envergonhado, quanto a medidas de impacto social, e insuficiente em muitas outras áreas. Basta pensar que este orçamento não responde às pessoas com deficiência ou limitadas na sua autonomia, aos cuidadores informais, para além de ser no mínimo ambíguo sobre a redução dos impostos sobre a energia, e insuficiente no investimento nos serviços públicos e na habitação. É um orçamento sem compromissos claros e urgentes, como por exemplo o reforço da nossa ferrovia, a compra de comboios novos e de equipamentos para hospitais e escolas, a redução da fatura da eletricidade, etc. Não se vislumbra, nestes cálculos orçamentais, dinheiro para financiar os programas de habitação, da Educação, da justiça ou da saúde. No entanto, é previsível que, no final, o líder do Eurogrupo, e também ministro das finanças de Portugal, venha a ficar muito feliz, pois terminará o ano com o excedente de 500 milhões, e nós teremos de ficar felizes. E se não ficarmos, “hão de te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma…”, alertava-nos o Zé Mário.
O que é certo, é que alguns de nós não se vão resignar e vão exigir que se responda à emergência na saúde, que se reduza o IVA da eletricidade, que se prossiga na recuperação das pensões e na luta contra a pobreza, vão exigir investimento nos encargos com os serviços públicos e privados e respeito pelos seus trabalhadores, que têm os salários congelados há mais de uma década, vão exigir muito mais… Felizmente, “há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não” (aludindo agora ao poema do histórico socialista Manuel Alegre, in “Praça da Canção’” – embora não saiba se ele hoje ainda pensa assim, tenho esperança que sim!).
Mas, o governo diz que o orçamento promete isentar trabalhadores-estudantes de IRS e que alunos universitários receberão bolsas acima do valor da propina, embora não diga que vai haver um aumento substancial dos custos do alojamento académico, promete também um aumento extraordinário para as pensões mais baixas, embora se esqueça de acrescentar que o aumento regular não chega à inflação prevista.
É caso para dizer que com pouco se vai iludindo as gentes deste país, que se deixa seduzir com pequenos doces, alguns com sabor amargo. Mas há quem comece a ficar farto de tanto oportunismo, de tanta fábula política, e não se deixe enganar, desmascarando com factos e dados concretos receitas de governação que se vislumbram duvidosas.
No interior do país, todos estes problemas são catalisados pelos problemas inerentes à interioridade. O poder local não foge à regra e nada faz para os ultrapassar, transpondo para os seus orçamentos municipais, infelizmente, o que de pior existe nos orçamentos nacionais. As assembleias municipais, a grande maioria comprometida com o poder central, quer por convicção, quer por dependência, vai fazendo orçamentos economicistas, onde é guardado algum dinheiro para tapar um buraco aqui, um buraco ali, numa rua estreita de alguma aldeia escondida, ou então para encomendar espetáculos televisivos, de baixo nível, a rondar o “pimba”, cheios de belas pernas e muitas tasquinhas cheias de comes e bebes, que vão fazendo feliz o nosso povo. Muitos concelhos, e nós sabemos que é verdade, não têm um centro de saúde condigno, muitas vezes mal gerido, não respondendo às necessidades das populações, não têm instalações escolares condizentes com as exigências da educação das nossas crianças e alunos, não têm locais para dinamizar espetáculos culturais, ou ainda pior, nem sequer uma simples sala de cinema possuem, já para não falar abrigos para que os animais domésticos abandonados possam viver com qualidade e deixar de estar votados ao desprezo.
Mas, enfim, tudo se faz para ganhar votos, e parece que já se vislumbram as eleições autárquicas… E, como alguém disse num blog na Internet, já não nos admiraríamos, se nos próximos tempos, recebermos na caixa de correio, uma saqueta de pudim de chocolate, acompanhada dos cumprimentos do Sr. Presidente da Câmara. Lá diz o povo, com a sua sabedoria secular, que “com papas e bolos, se enganam os tolos”. Esta é bem capaz de ser uma frase que vai ecoar na nossa “pinha” nos próximos meses.
Artigo publicado em Farol da Nossa Terra
Professor, de 52 anos.
É natural de Carregal do Sal, onde reside e trabalha, sendo no momento docente do Agrupamento de Escolas de Carregal do Sal.