Reforçar a educação no interior é garantir mais igualdade e justiça

Foto por Autor Anónimo
 Trinta e quatro anos decorridos desde a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, 5% da população portuguesa é analfabeta e o abandono escolar ainda ultrapassa os 11% dos jovens em idade escolar no território nacional, sendo certo que no interior do país esta taxa vai além dos 20%. A gritante falta de recursos humanos e logísticos (ou o desaproveitamento de alguns) conduz ainda a uma inqualificável ineficiência do nosso sistema educativo, que potencializa a eternização de desigualdades e a exclusões dos nossos alunos.

A Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro) diz no seu artigo 2.º que «Todos os portugueses têm direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição da República. É da especial responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares. No acesso à educação e na sua prática é garantido a todos os portugueses o respeito pelo princípio da liberdade de aprender e de ensinar, com tolerância para com as escolhas possíveis […]». Trinta e quatro anos decorridos desde a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, 5% da população portuguesa é analfabeta e o abandono escolar ainda ultrapassa os 11% dos jovens em idade escolar no território nacional, sendo certo que no interior do país esta taxa vai além dos 20%. A gritante falta de recursos humanos e logísticos (ou o desaproveitamento de alguns) conduz ainda a uma inqualificável ineficiência do nosso sistema educativo, que potencializa a eternização de desigualdades e a exclusões dos nossos alunos.

Apesar de alguns avanços na área da educação, entre os quais destacamos, o fim dos desnecessários exames de 4.º e 6.º anos, o fim da exigência da frequência de cursos vocacionais para alunos com dificuldades escolares a partir dos 12 anos, a tentativa de acabar com o financiamento público de ensino privado associado a contratos de associação, a gratuitidade dos manuais escolares para os alunos que frequentam a escolaridade obrigatória na rede de ensino público, a redução do número de alunos por turma e a diminuição do preço das propinas do ensino superior, o fracasso do nosso sistema de ensino continua como uma fatalidade aceite como inevitável. Por isso, urge romper definitivamente com o insucesso do nosso sistema de ensino. Os políticos inteligentes, os pouco que existem, devem ter sempre em cima da mesa o tema da educação, como pilar indispensável para a formação dos cidadãos numa sociedade moderna, pluralista e democrática.

Se pensarmos um pouco sobre este assunto, constatamos que os resultados obtidos pela escola que temos não correspondem aos desígnios da LBSE. De facto, torna-se evidente que o sistema educativo em Portugal se tornou um quebra-cabeças inacabado, muitas vezes cheio de medidas avulsas e em constante alteração, muito por culpa das políticas neoliberais, muito condicionadas pela economia. A educação enferma, permanentemente, de muitas feridas a que urge pôr fim. Podemos referir, a título de exemplo, apenas uma de muitas: a recente da flexibilidade curricular, imposta no ensino no ensino básico e secundário, projeto aparentemente ambicioso, mas que sofre o pecado capital de surgir de cima para baixo com diminuta consulta, para não dizer nenhuma, aos principais elementos da comunidade educativa, estudantes, professores, funcionários das escolas e pais e encarregados de educação.

Precisamos de agir com firmeza e sobretudo agir bem. Temos de implementar medidas nacionais e medidas locais para melhorar o sistema educativo. Dentro das medidas de âmbito nacional, devíamos batalhar pelo o alargamento da educação pré-escolar, com a inclusão das creches (0-3 anos) no sistema educativo, de forma livre e gratuita, pugnar pela revisão da organização dos ciclos de ensino e pela alteração do calendário escolar, exigir a revisão do estatuto do aluno, reforçando os direitos dos estudantes e a sua participação democrática na vida da escola, continuar a manutenção da gratuitidade dos manuais escolares, mas sem obrigação da sua devolução, exigir o reforço da ação social escolar para os alunos carenciados, obrigar o estado a ceder gratuitamente os materiais pedagógicos adaptados e diferenciados para alunos com necessidades de saúde especiais, consagrar a valorização do ensino profissional e do ensino articulado artístico, reforçar a autonomia das escolas, nomeadamente, para a contratação direta de técnicos especializados, a gestão pública dos refeitórios escolares e reforço de opções alimentares saudáveis, como por exemplo as que envolvem opções vegetarianas, iniciar uma discussão séria e abrangente sobre o modelo de descentralização com base na autonomia das escolas, obrigar os agentes políticos a recuperarem um modelo de gestão democrático das escolas, como previsto na LBSE, entre tantas outras.

Localmente, e pensando no nosso interior que continua distantemente desprezado pelo poder central, devia ser urgente consagrar o transporte gratuito, seguro e acompanhado por adultos, de todas as crianças e alunos da educação pré-escolar e 1.º ciclo do seu local de residência para a escola, devia ser imposta a reversão de alguns mega agrupamentos, unilateralmente e injustamente impostos pela tutela, seria necessário exigir o apoio solidário complementar na ação social escolar, para os alunos dos territórios mais desfavorecidos e desertificados, devia, igualmente, ser consagrada em lei a garantia de que, no caso de um único agrupamento em determinado concelho, seja ser autorizada a abertura de todas as ofertas formativas do ensino secundário regular, independentemente do número de alunos. É importante, que no interior seja reforçado o acervo das bibliotecas escolares, permitindo assim um incentivo à utilização estas, concomitantemente com um horário alargado de utilização por parte dos alunos e demais membros da comunidade educativa. Teremos também de exigir que os políticos responsáveis legislem no sentido de permitir uma educação de adultos realmente acreditada e sem a obrigatoriedade, nos territórios mais desfavorecidos e desertificados, de um número mínimo de formandos para o seu funcionamento, com vista a minorar a situação dos jovens do interior, per si já bastante desigual em relação aos seus homólogos das grandes urbes. Devia haver a coragem política de criar vagas especiais, ou majoração das notas de ingresso para estes alunos, que pretendam frequentar o ensino superior junto das suas capitais de distrito.

A educação é o garante de todas as formas de progresso e desenvolvimento das comunidades humanas. Compreender isto é abraçar um futuro digno para todos!

Outros artigos deste autor >

Professor, de 52 anos.
É natural de Carregal do Sal, onde reside e trabalha, sendo no momento docente do Agrupamento de Escolas de Carregal do Sal.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

Começou a chuva

Foto de Mário Vasa | FacebookBem sei que já passou a época dos fogos florestais e tem chovido…
Moedas / Riqueza
Ler Mais

Ninguém o Vê

Não estamos a tratar de correntes opinativas nas redes sociais, muito menos de conspirações covidescas. Como já sabemos…
Ler Mais

DESIGUALDADE DE OPORTUNIDADES

Foto por Interior do AvessoAo contrário do que acontece nas escolas, o ensino à distância implica um custo…
Skip to content