A Economia do país está boa! As pessoas é que vivem na miséria

Foto por klimkin | Pixabay

Uma notícia do Dinheiro Vivo da passada terça-feira, dava conta que Bruxelas “culpa aumentos salariais” para atraso do alívio da inflação. Acho que à partida, existem logo aqui dois erros de perceção que perpetuam a ideia de que “os portugueses vivem acima das suas possibilidades”, muito presente na altura da Troika.

O primeiro erro de perceção é continuar a bater na tecla que aumentos salariais inferiores à inflação (que reduzem o salário real e por conseguinte o poder de compra) podem contribuir para aumentar ou manter os níveis de inflação. A inflação, este bicho de sete cabeças que agora é comumente utilizado, sem nunca ser convenientemente explicado à população, foi causada por dois choques externos consecutivos. Em primeiro lugar pelos problemas nas cadeias de abastecimento na altura da pandemia e posteriormente pela Guerra na Ucrânia. É um erro subverter esta ideia, para dar um entendimento que a “culpa” é dos portugueses gastadores que quanto mais ganham mais gastam.

O outro erro é achar que por se gastar mais em alimentação se está a consumir mais. Não! Os produtos é que estão mais caros e os preços estão a sufocar as famílias. Se um litro de óleo custava 1,3 euros antes da guerra e agora custa 2,6, a pessoa que compra esse litro de óleo não está a consumir mais, está a pagar mais pelo consumo, que são coisas completamente diferentes. Provavelmente, e sem dados objetivos que o comprovem, as pessoas estão a consumir menos, por culpa da redução do poder de compra. Olhar para os valores absolutos do consumo é absurdo, eles não indicam nada mais do que quanto é que as pessoas pagam pelas coisas e não o que trazem para casa.

Para além disso, a inflação não é linear, e está mais presente nos produtos alimentares o que cria um efeito ainda mais perverso, por estarmos a falar de produtos essenciais. Isto é, ganhe alguém 750 ou 3000 euros, existem certos gastos que são “obrigatórios”, nomeadamente a alimentação. Se o cabaz do mês passar de 200 para 250 euros, esse efeito é muito mais significativo para salários mais baixos, pois ocupa 1/3 do rendimento. Isto sem equacionar o aumento dos combustíveis, da energia, das telecomunicações etc.

A receita da austeridade e da ideia de viver sempre em sacrifício é uma falácia estrategicamente utilizada, principalmente quando vemos a desigualdade social a aumentar, lucros absurdos em certos setores da economia (curiosamente aqueles que nos vendem a ideia de “uma inflação elevada”). Vivemos num país, segundo dados do INE, com 4 milhões de pobres (antes de apoios sociais), ou seja, praticamente 40% da população vive na pobreza, e uma grande parte dessa população trabalha…Não é aqui que está o problema? É a população que gasta muito ou é o mês que é demasiado grande?

Enquanto isto, o Governo acena-nos com défices baixos e redução da dívida pública. Eu sou a favor de contas certas! O problema é que contas certas é coisa que a população não consegue ambicionar com salários miseráveis, com a constante tabuleta de “gastadores” na nossa testa e com preços a aumentar de dia para dia. Em 2011, a receita foi cortar na despesa e causar uma crise social como nunca tinha visto na minha vida. Em 2023, a receita parece ser a mesma mas com palavras diferentes. Não me conformo com a ideia de que é necessário causar uma recessão para reduzir a inflação. Partindo do pressuposto que a inflação baixaria com essa recessão…A custo de quê? De pessoas que perdem a casa, que passam fome, que vão às pequenas poupanças buscar dinheiro para pagar a inflação, enquanto meia dúzia enche os bolsos com o “inflacionamento” da inflação.

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Jóni Ledo, de 32 anos, é natural de Valtorno, concelho de Vila Flor. É licenciado em Psicologia pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, instituição onde também concluiu o Mestrado em Psicologia da Educação. Frequenta atualmente o 3ºano da Licenciatura em Economia na mesma instituição. Foi Deputado na Assembleia Municipal de Vila Flor pelo BE entre 2009 e 2021. É ativista na Catarse | Movimento Social e cronista no Interior do Avesso. É atualmente dirigente distrital e nacional do Bloco de Esquerda. É atualmente estudante de Doutoramento em Psicologia Clínica e da Saúde na Universidade da Beira Interior.

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