A Terra Quente Transmontana parece estar a passar por um período em que os astros se alinham ao contrário e as probabilidades mais baixas vigoram e se assumem como predominantes. De certa forma, os problemas a seguir apresentados assolam outras partes do território, essencialmente no interior, mas esta região tem sido particularmente afetada.
Já todos sabemos o quanto todos e todas sofrem com as alterações climáticas, que começam, talvez tarde demais, a preencher os telejornais. Se o litoral sofre com cheias e com o perigo de um mar que se zanga, o interior do país, maioritariamente agrícola, sofre demais quando causou de menos. Ninguém se deve atrever a dizer que o pequeno agricultor da Terra Quente tem grande responsabilidade nas alterações climáticas, mas mesmo assim é dos mais afetados. Na verdade, parece acontecer assim em todo o globo. Quem menos contribuiu, mais sofre…
Para além disto, a olivicultura, área agrícola predominante deste território, já teve melhores dias. Venderam-nos a ideia de que o azeite poderia ser o ouro líquido, por ter uma qualidade incomparável reconhecida por todas e todos. O que é certo é que fomos ultrapassados pela direita pelas megaproduções alentejanas, nada sustentáveis e com problemas óbvios para o meio ambiente. A qualidade rapidamente foi trocada pela quantidade, os preços do azeite têm baixado ano após ano, o custo cobrado pelos lagares aumentou exponencialmente, bem como as tempestades nada meigas que parecem teimar em não desaparecer e que se tornam num verdadeiro pesadelo para estas populações.
Como se isto não bastasse, as notícias e as confirmações de possíveis despedimentos na maior empresa de cogumelos da Europa, a Sousacamp. Para além da fábrica de Paredes, estes poderão afetar também a sua “casa mãe” em Benlhevai, concelho de Vila Flor e uma fábrica em Mirandela, o pode ser um verdadeiro tiro no porta-aviões. Uma região sem emprego, com despovoamento crescente ano após ano, sem ver sequer uma luz ao fundo do túnel. Neste caso, os capitais públicos serviram para salvar a empresa, mas não servem para salvar os trabalhadores.
Para além da vida destas pessoas, está em causa a aldeia de Benlhevai, um verdadeiro ponto verde na mancha negra do despovoamento, devido aos inúmeros imigrantes que recebeu, perfeitamente integrados, e que já fazem parte do quotidiano do nosso concelho.
Se admitirmos um atestado de óbito ao exemplo do que poderia ser uma aldeia do interior, não condenada ao despovoamento, que ideia estaremos a passar? Estaremos nós condenados a termos apenas os nossos territórios “a monte” e a colher apenas os cogumelos silvestres no início do Outono?
Jóni Ledo, de 32 anos, é natural de Valtorno, concelho de Vila Flor. É licenciado em Psicologia pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, instituição onde também concluiu o Mestrado em Psicologia da Educação. Frequenta atualmente o 3ºano da Licenciatura em Economia na mesma instituição. Foi Deputado na Assembleia Municipal de Vila Flor pelo BE entre 2009 e 2021. É ativista na Catarse | Movimento Social e cronista no Interior do Avesso. É atualmente dirigente distrital e nacional do Bloco de Esquerda. É atualmente estudante de Doutoramento em Psicologia Clínica e da Saúde na Universidade da Beira Interior.